A CEO e cofundadora da Biosphere Portugal, Patrícia Araújo, esteve à conversa com a Ambitur e conta-nos de que forma a empresa que lidera procura fazer a diferença no setor turístico. Desde 2010 que a Biosphere Portugal ajuda a fazer do turismo um setor que respeita, educa e cuida, garante a empresária. Olhando para trás, admite que o maior desafio terá sido despertar nos players do setor uma verdadeira consciência sobre o valor estratégico da sustentabilidade. E assume que “cada passo dado está a semear algo maior, mas sobretudo melhor”. Leia aqui a 1ª parte desta Grande Entrevista, que pode ser lida na íntegra na nossa edição 353.
Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso pessoal e profissional até chegar à liderança da Biosphere?
A minha formação de base é em Jornalismo, e foi essa curiosidade pelo mundo e pelas pessoas que me guiou nos primeiros passos da vida profissional. No entanto, tudo mudou quando pouco tempo depois de terminar o curso aceitei o convite de um antigo colega de uma formação para integrar uma empresa de consultoria. Nessa altura, surgiu-me pela primeira vez a oportunidade de cruzar três áreas que sempre me entusiasmaram, ainda que de forma inconsciente: a comunicação, a estratégia e o desenvolvimento comercial. Foi uma viragem inesperada, mas marcante.
A verdade é que depois da licenciatura em Jornalismo e do mestrado em Comunicação e Marketing, nunca imaginei verdadeiramente que o turismo viesse a afirmar-se no meu percurso como acabou por acontecer. Mas a verdade é que apareceu de forma muito natural, quase por acaso, através de uma conversa com um parceiro que me desafiou a olhar para este setor com outros olhos. E a partir desse momento, nunca mais o larguei…o setor claro. Repare que estávamos em 2010, altura em que o turismo em Portugal estava longe da afirmação que tem hoje. Na altura ainda pouco se ouvia falar de sustentabilidade, quanto mais fazer acontecer a sustentabilidade. Talvez por isso percebi rapidamente o potencial transformador do turismo quando orientado por valores de sustentabilidade.
A possibilidade de representar em Portugal os referenciais internacionais da Biosphere Responsible Tourism era entusiasmante e uma oportunidade que não podia desperdiçar. Era mais do que uma certificação – era uma forma de colocar em prática uma visão do mundo mais equilibrada, mais justa e mais alinhada com o futuro que (ainda) acredito ser possível.
Co-fundar e liderar a Biosphere Portugal foi, assim, um passo muito orgânico. Senti que fazia sentido, tanto no plano pessoal como profissional. Sou uma amante da natureza e acredito profundamente que o turismo pode ser uma força positiva para o desenvolvimento dos territórios e das comunidades. A Biosphere tem-me permitido colocar esse propósito em ação, todos os dias.
Co-fundar e liderar a Biosphere Portugal foi, assim, um passo muito orgânico. Senti que fazia sentido, tanto no plano pessoal como profissional.
Como surgiu a Biosphere e qual é a sua missão principal no setor do turismo sustentável?
A Biosphere surgiu pela mão do Instituto de Turismo Responsável, uma ONG internacional, no início do milénio. A Portugal chegou em 2010 e a semente germinou, acima de tudo, de uma inquietação. De uma vontade genuína de fazer diferente. De acreditar que o turismo, para além dos números e das tendências, pode ser uma ferramenta poderosa para transformar realidades, proteger e dar novas oportunidades aos territórios e oferecer também novas perspetivas às comunidades. E confesso que, ao início, parecia um sonho um pouco grande demais. Questionei-me algumas vezes sobre: por onde vamos começar. Mas tenho de admitir que um bom desafio sempre me estimulou – e este era dos bons.
Quando surgiu a possibilidade de representar em Portugal os referenciais da Biosphere Responsible Tourism, não vi apenas uma oportunidade profissional. Vi também uma porta aberta para concretizar algo em que acredito profundamente: que é possível fazer crescer negócios e territórios sem ‘esmagar’ e sem deixar nada e ninguém para trás – nem pessoas, nem natureza.
A missão da Biosphere é, por isso, muito, mas muito mais do que certificar. É inspirar, acompanhar e dar ferramentas concretas a quem quer ser parte da mudança, a quem sente que esta mudança é um imperativo. Queremos que cada empresa, cada destino turístico, cada profissional do setor, sinta que tem um papel ativo a desempenhar na construção de um turismo mais equilibrado, mais consciente e, acima de tudo, mais humano. Sem que por isso tenha de ser mais limitador ou menos indutor de felicidade e bem-estar.
A missão da Biosphere é, por isso, muito, mas muito mais do que certificar. É inspirar, acompanhar e dar ferramentas concretas a quem quer ser parte da mudança, a quem sente que esta mudança é um imperativo.
Trabalhamos com números, muitos indicadores e metas, sim – mas o nosso motor é a paixão. A paixão por ver projetos ganharem alma, por ver pessoas com os olhos a brilhar ao reencontrarem propósito nas suas atividades e por perceber que, passo a passo, estamos a ajudar a criar algo maior do que nós.
E se há dias em que o caminho parece desafiante? Claro que sim. Muito dias até. Mas ainda assim não perco de vista esta convicção: a de que vale a pena todos os dias juntar-me a tantos outras pessoas que já partilham esta ambição e que ajudam a fazer do nosso turismo um setor que respeita, que educa, que cuida. E é isso que me move, todos os dias.
Quais foram os maiores desafios na construção e crescimento da Biosphere?
Posso dizer, com toda a honestidade, que construir e fazer crescer a Biosphere em Portugal foi uma espécie de maratona (ainda em curso) com provas de obstáculos pelo meio… mas de olhos postos numa meta que vale mesmo a pena. E sim, houve momentos em que pensei: “quem me mandou a mim meter-me nisto?” – mas depois fixava-me no impacto que queríamos gerar, e tudo fazia sentido outra vez.
Um dos maiores desafios foi, sem dúvida, despertar nos players do setor uma verdadeira consciência sobre o valor estratégico da sustentabilidade. Estou a falar de uma altura em que, para muitos, sustentabilidade era sinónimo de plantar árvores ou apagar as luzes – estava longe de ser parte da estratégia empresarial ou pública. Era preciso mostrar, com os poucos dados que tínhamos e com alma, que ser sustentável não é uma despesa… é uma escolha de futuro. E isso deu luta, porque era quase convidar a um salto de fé!
Outro desafio gigante foi adaptar uma metodologia internacional, com toda a sua robustez, à nossa realidade portuguesa, tão marcada por micro e pequenas empresas, por territórios com baixa densidade e por estruturas que muitas vezes funcionam com recursos limitados. Tivemos de ser criativos, resilientes e, acima de tudo, muito flexíveis. O nosso primeiro teste foi a adaptação do nosso referencial internacional ao contexto concreto do Território Alentejo. O nosso primeiro parceiro territorial em Portugal foi a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, que entendeu que a Biosphere era o referencial que melhor se ajustava às necessidades específicas do território e das suas empresas. Foi a primeira entidade a ter inscrito o Eixo da Sustentabilidade na sua estratégia. Estávamos em 2014…e ainda hoje mantemos a parceria. O Alentejo despertou o nosso crescimento e dá-nos ainda hoje a oportunidade de testemunharmos e fazermos parte do grande crescimento turístico da região, muito assente nos valores e práticas da sustentabilidade.
Voltando aos desafios… houve também o desafio mais silencioso, mas talvez o mais difícil: gerir a frustração de não ir tão rápido quanto gostaria. Porque quando acreditamos mesmo numa coisa, queremos resultados para ontem. E a verdade é que o tempo da transformação não é o nosso tempo. Aprendi que há avanços que precisam de maturação, de escuta, de construção paciente. Foi uma grande lição de humildade… e de persistência.
No fundo, ser gestora da Biosphere tem sido uma mistura entre estratégia e coração, entre plano de ação e esperança. E apesar de todos os desafios, continuo absolutamente apaixonada por aquilo que fazemos. Porque no fim do dia, sei que cada passo dado está a semear algo maior, mas sobretudo melhor.
ser gestora da Biosphere tem sido uma mistura entre estratégia e coração, entre plano de ação e esperança
Como define a sustentabilidade no contexto do turismo?
Para mim, a sustentabilidade no turismo é, acima de tudo, a arte de equilibrar interesses – e fazê-lo com responsabilidade e visão de longo prazo. É garantir que a atividade turística gera valor económico real para os negócios e para os territórios, sim, mas sem nunca perder de vista o impacto que tem nas comunidades que a acolhem e nos ecossistemas que a suportam, sim, porque sem as comunidades e sem os ecossistemas a atividade turística não existem.
Não se trata apenas de ser “verde” ou de cumprir com meia dúzia de boas práticas. Trata-se de gerir bem, de diariamente procurar fazer melhor. De fazer escolhas conscientes, baseadas em dados e em compromissos, e de ter a coragem de pensar para além da próxima época alta. É saber que um destino turístico não é um produto, é um sistema vivo e sensível – feito de pessoas, de cultura, de natureza e de relações. E que tudo isso precisa de cuidado, planeamento e respeito.
Sustentabilidade no turismo é quando uma empresa de alojamento local investe nos seus colaboradores e colaboradoras e na sua formação contínua. É quando uma empresa de animação turística tem a preocupação de trabalhar com produtores locais e valoriza o património imaterial. É quando um município integra a sustentabilidade nos seus instrumentos de planeamento e governação. É quando o turista sai mais consciente e o residente se sente respeitado.
No fundo, é transformar o turismo num motor de desenvolvimento saudável, sem esgotar aquilo que o torna único. É um desafio de gestão, mas também de humanidade.
Por Inês Gromicho






















































