Marta Sotto-Mayor volta a oferecer aos leitores da Ambitur a sua coluna, onde aborda temáticas atuais do setor da Hospitalidade. A profissional conta com mais de 25 anos de experiência internacional, vários prémios e reconhecimentos ao longo da carreira. É graduada pela Escola de Hotelaria e Turismo do Porto em Gestão Hoteleira, obteve o Strategic Hospitality Marketing Certificate na Cornell University, e fez Licenciatura em Gestão Hoteleira no ISEC Lisboa – Instituto Superior de Educação e Ciências e Pós-Graduação na Glion Hotel Management School. Leia aqui mais um artigo.
Por Marta Sotto-Mayor, Formadora & Consultora Internacional – Especialista Hotelaria, Turismo e Restauração
Dizem que Lisboa está a rebentar pelas costuras e que perdeu identidade, ou seja, já não é menina e moça…
Mais turistas ou melhor turismo?
É impossível ignorar o sucesso e as consequências: ruas cheias, bairros transformados, transportes no limite, acessos entupidos, e muitos debates acesos dos prós e contras nas notícias e nas mesas de café. A perceção de “turismo a mais” ganhou espaço e pertinência.
Ao mesmo tempo, empresários e decisores do setor repetem, com urgência: “precisamos de um novo aeroporto já, maior, melhor, mais rápido”. Ou seja, apelos de “venha daí mais clientela que o negócio é bom”.
O dilema de Lisboa
Se, por um lado, o aeroporto atual já não responde à procura e se tornou gargalo evidente da nossa economia, por outro lado, será legítimo pedir mais capacidade quando muitos defendem que a cidade já está saturada?
Um novo aeroporto pode significar mais rotas, maior dispersão geográfica dos viajantes e a oportunidade de diversificar e captar mercados com maior poder de compra, além de servir de base para justificar o surgimento de novos equipamentos turísticos. Pode, sobretudo, aliviar a pressão sobre Lisboa, redistribuindo fluxos e trazendo benefícios para regiões que há muito esperam pelo seu lugar no mapa turístico.
Mais voos significam mais visitantes, mas não garantem visitantes melhores.
Ora aqui está o risco de agravar um problema já identificado. Lisboa tornou-se exemplo de destino que cresceu muito e demasiado depressa.

Queremos quantidade ou qualidade?
Vamos aos argumentos económicos: o turismo representa quase 20% do PIB, sustenta centenas de milhares de postos de trabalho e garante investimento direto em hotelaria, restauração e serviços.
Ninguém discorda que cada dia em que adia a nova solução aeroportuária é comprometer o crescimento futuro, da cidade e do país.
E assim estamos, bem de frente a um paradoxo.
Estaremos (quase!) todos reformados quando o primeiro avião aterrar no novo aeroporto. É assim, e não adianta chorar: uma infraestrutura desta envergadura demora tempo a ganhar vida, e no nosso pequeno retângulo, tudo demora ainda mais.
É necessário, portanto, muito pragmatismo para se lidar no curto (e médio!) prazo com o que temos, e não perder tempo com o que não temos.
A procura (entrada de turistas por via aérea) está, portanto, limitada por muitos anos. Os cruzeiristas entram e saem da cidade, diariamente, aos milhares – e nos hotéis nem os vemos.
Do lado da oferta sabe-se que o incremento é real. O número de quartos de hotel a abrir nos próximos 18 meses em Lisboa é significativo e causará uma adicional pressão concorrencial, forte.
Com a estagnação expectável da receita importa evitar a queda de preços do alojamento por medo ou má gestão. Pedem-se portanto novas soluções, já que vivemos num novo tempo com velhos problemas e novos desafios.
O ecossistema alargado do Turismo está mais consciente?
Saúdo quem promove debates que acrescentam valor e geram partilha de conhecimento. A Expedia Group reuniu hoteleiros e profissionais, em setembro, com o intuito de Debater Lisboa. Estive presente e aprendi muito com o que ouvi!
Ainda bem que já não se fala tanto em problemas e “como trazer mais turistas”, e fala-se mais em soluções e como “trazer melhor turismo”.
Novos desafios, novas soluções
Algumas recomendações foram apontadas na Conferência aos profissionais hoteleiros:
- apostar na diversificação de mercados (UAE, Canadá, Índia, etc) e em segmentos premium
- incentivar estadias mais longas – afinar a micro- segmentação de clientes
- crescer (o atual aeroporto tem espaço) nas épocas baixas
- aposta em experiências MICE e culturais (elevado valor acrescentado)
- desagregar preço do alojamento e crescer em TREVPAR
- criar novos produtos turísticos e desenvolver mais parcerias externas ao negócio
- diferenciar mais (um hotel não se pode vender como se vendem commodities)
- cobrar alto, mas entregar mais ao hóspede
- robustecer a gestão: eliminar desperdícios e reduzir ineficiências comerciais e operacionais
- “picar miolos”, insistir e pressionar interlocutores certos
O dilema, afinal, não é só técnico. É estratégico e tático.
Além da elaboração de um orçamento para 2026 que seja exequível e positivo, e da planificação de iniciativas de vendas e marketing mais imediatas, a reflexão mantém-se:
Queremos um aeroporto novo que nos ajude a crescer sem critério ou um aeroporto que seja ferramenta para crescermos com inteligência ao nível local, regional e nacional? Como?
Queremos Lisboa como hub de passagem, onde a pressa dita a experiência, ou uma cidade aspiracional, onde o “small is beautiful” se traduz em exclusividade, autenticidade e maior gasto médio por visitante?
Melhor Lisboa para os residentes e os visitantes.
Não se trata de dizer sim ou não a um novo aeroporto. Trata-se de decidir o que queremos ser enquanto destino turístico de real qualidade. Porque a experiência vivida na cidade de Lisboa hoje, desde a aterragem à descolagem, pode ser desoladora. O castelo, a deliciosa gastronomia e os bons vinhos, por si só não bastam.
E os residentes? Basta um passeio por Lisboa para sentirmos que tudo já foi mais seguro, limpo, bonito, autêntico. Esvaiu-se a alegria de aqui viver e o orgulho de bem receber os visitantes… E dizer que em Barcelona ou em Roma é pior não nos deve servir, de todo, de consolo.
Oportunidade e risco andam de mãos dadas.
É urgente redesenhar a Lisboa de hoje, antes sequer de nos prepararmos para os muitos mais que chegarão um dia pelo bendito novo aeroporto. Urge articular transportes, iluminar a cidade, dar segurança, trabalhar a oferta cultural e a sua boa divulgação e cuidar dos profissionais do setor.
O risco está no crónico modus operandi de “deixar andar e culpar o outro – porque não fui eu quem fez a asneira”. Os problemas estão à vista de todos: mais hotéis (e alojamentos de outras t ipologias) a abrir, número de visitantes a estagnar (por falta de capacidade de entrada), a qualidade do serviço a cair (há indícios de declínio na reputação da cidade), mais pressão para empresários e mais frustração para os profissionais. Cenário pouco animador que apela a pormos mãos à obra, sem demora!
Um futuro melhor
A discussão está em forma de ferida aberta e deve ser tratada com competência e coragem. Lisboa precisa de uma visão nova, de um plano claro e de execução irrepreensível. Juntos, e com cada parte a fazer bem o que lhe compete. Uma cidade boa para todos, todos, todos.
Já aprendemos o suficiente com os erros dos outros, e com os nossos também, ou não?






















































