Raio X das agências de viagens II: Impactos da Covid-19 na operação, distribuição e comercialização de produtos e destinos turísticos

Maria José Silva, investigadora, Professora Doutorada Especialista em Turismo, nomeadamente Operação e Distribuição Turística, Redes e Liderança Estratégica, e CEO da RAVT, efetuou um estudo sobre o impacto da Covid-19 na operação e distribuição, analisando as perceções da e sobre a liderança estratégica do setor na gestão de crise. A Ambitur vai publicar, ao longo das próximas semanas, algumas partes deste extenso trabalho que pretende contribuir para uma melhor qualificação de recursos humanos e das organizações, bem como para melhor prevenir, planear e atuar em futuras situações de irregularidades com impactos extremos no turismo.

Depois de abordar a operação, distribuição e comercialização de produtos e destinos turísticos, a investigadora fala-nos agora sobre os impactos que a crise da Covid-19 teve e está a ter.

Consciente de que o turismo é “demasiado sensível a crises extremas e severas globais como uma pandemia”, o estudo admite também que a atual crise sanitária levou a que destinos turísticos em sobrecarga (overtourism) se deparassem com a ausência de turistas (undertourism), uma situação dramática. Aliás, segundo a própria Organização Mundial do Turismo, a Covid-19 fez com que “o valor de mais de 10 anos de crescimento contínuo será perdido, sendo esta a maior queda registada nos últimos 30 anos”.

Perante este cenário, “notou-se que os agentes de turismo não estavam preparados, nem as organizações e nem os colaboradores”, refere a CEO da RAVT, reconhecendo que nem as melhores organizações, com os melhores planos de contingência, estavam devidamente preparadas. E embora organizações e destinos saibam que têm de estar preparados para, a qualquer momento do seu ciclo, enfrentar algum tipo de incidente, evento ou desastre, conforme nos indica B. Faulkner, em publicações datadas de 2001 e 2002, a verdade é que “há falta de investigação suficiente do fenómeno de crises no turismo, bem como este carece de análises específicas de impactos em organizações ou em atividades específicas”.

Nesse sentido, indica-nos o estudo, os líderes da indústria do turismo devem “considerar compreender melhor as crises para poderem responder de formas mais eficazes e definirem estratégias que melhor consigam amenizar e reduzir impactos numa próxima crise a ocorrer no futuro”. Devem pois ter a noção que de que as estratégias futuras do turismo devem contemplar duas visões distintas: recuperação e reforma mais sustentável. Maria José Silva explica que estas visões aportam outras dicotomias do turismo a repensar, nomeadamente: ouvertourism- undertourism; turismo presencial – turismo virtual; turismo costeiro e litoral – turismo do interior; turismo urbano – turismo de natureza; turismo de mais proximidade – turismo mais longo curso; turismo de nichos – turismo de massas; turismo em grupos/ pacotes – turismo individualizado e desagregado; turismo com maior ou menor qualidade; turismo com maior lucro – turismo com maios sustentabilidade; apostar em tipos de turismo recorrentes – apostar em tipos de turismo mais sustentáveis (ecoturismo, slow turismo, turismo acessível, turismo inclusivo); destinos com maior ou menor dependência do turismo; hotelaria tradicional – outras formas de alojamento alternativo e criativo; ou maior estímulo de compra online e mobile – maior offline.

Como indicam vários autores, esta é a “oportunidade de repensar princípios e éticas. E é em contexto de crise severa e extrema que «a liderança faz a diferença»”.

 

Crises no turismo

Apesar das muitas crises sanitárias ao longo de 40 anos, a verdade é que nenhuma teve implicações que se assemelhem às da pandemia de Covid-19. E é neste sentido que Maria José Silva procura aprofundar o que são as crises, quais suas características e fases, e como as gerir, sobretudo no setor do turismo.

Uma definição de crise no turismo poderá passar por ” uma situação perigosa e extraordinária em que uma decisão precisa ser tomada sob a pressão exercida pelo fator tempo”, conforme aponta Dirk Glaesser. E é uma situação que exige agilidade na solução do problema pois uma forte ambiguidade e incerteza podem provocar impactos negativos, disrupção e rutura de equilíbrios numa organização ou em toda a cadeia de valor. Curioso observar que a palavra chinesa para crise é formada por dois caracteres que significam “Perigo/Ameaça” e “Oportunidade”.

Em termos concretos, uma crise pode originar medo, stress, desmotivação, redução salarial, desemprego, aumento de taxas e impostos, aumento do número de falências, sentimento de insegurança e falta de confiança, com impactos significativos nas condições económicas e sociais, nas empresas, nos setores e nos destinos.

A crise da Covid-19 parece ter provocado uma série de ondas de choque, explica a investigadora, com impactos que se refletem em todo o tipo de efeitos. Pelo que se torna “difícil encontrar uma fórmula única de atuação e resposta eficaz” sendo ” recorrente instalar-se o caos nas organizações e nos setores afetados e ativar rivalidades entre colaboradores, empresas, organizações e políticos”.

E neste cenário, a liderança estratégica torna-se um fator chave, dentro e fora das organizações, para se atingir alguma coordenação, comunicação e cooperação entre os diversos stakeholders. E é fundamental para priorizar, redirecionar e criar novas condutas pós-pandemia.

Para enfrentar uma crise, é necessário uma “gestão integrada de atividades continuadas, de riscos e de controlo constante”, passando por três modos de ação: proativa, reativa e reflexiva. Na primeira fase, há que prevenir e preparar as organizações para uma eventual crise; na segunda, o momento do caos, trata-se de dar uma resposta através de ações planeadas e coordenadas para controlar a situação; a terceira é a fase da avaliação e da aprendizagem, redesenhando o contexto e aplicando ações corretivas, de recuperação e confiança.

Faulkner criou um quadro para a gestão de desastres no turismo que ilustra o ciclo de vida, os elementos de resposta e de gestão de crises, e que é complementado por Ritchie e Glaesser com modelos estratégicos de planeamento e gestão de crise. Com base nestes autores, e outros relatórios de diversas entidades especialistas em crises e desastres, algumas organizações do setor, com atuação na operação e distribuição turística, criaram os seus próprios modelos, planos e estratégias de resposta à crise no setor, durante a atual pandemia, como seguem exemplos da RAVT.

Modelo Integrado de Estratégia e de Gestão de Crises em Turismo de RAVT,

Fonte: RAVT (2020)

 

Liderança Estratégica no Turismo em resposta à crise

Torna-se evidente a “importância da liderança estratégica como resposta à crise e na preparação da recuperação e no redesenhar de um novo turismo mais sustentado e sustentável no futuro”, sublinha Maria José Silva. A liderança estratégica é exercida por quem está na tomada de decisão e na definição de estratégias da organização com vista ao seu crescimento.

As decisões do líder podem resultar numa vantagem competitiva para a empresa ou setor, ou levar ao fracasso não só da organização mas de outras interdependentes na cadeia de valor de determinado setor, recorda a CEO da RAVT.

As políticas de um governo influenciam normalmente a administração no turismo, o desenvolvimento de políticas e estratégias de distribuição de poderes entre pessoas e as organizações envolvidas na cadeia de valor do turismo.

 

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