A escassez de talento continua a afetar as empresas turísticas que, este ano, vão voltar a debater-se com a melhor forma de atrair e reter profissionais e com dificuldades em preencher vagas fundamentais à sua atividade. É o que nos dizem as empresas de recrutamento e de emprego com as quais a Ambitur falou – Manpower Group, Randstad e Michael Page – para perceber quais as dinâmicas que movem empregadores e candidatos nesta busca constante de perfis que se enquadrem nos valores e necessidades mútuos. Estará a sua empresa a oferecer-lhe aquilo que considera central para exercer a sua função da melhor maneira possível? Por outro lado, de que forma procuram as empresas de turismo colmatar esta escassez e ir de encontro às expectativas dos seus colaboradores? Quais os requisitos essenciais, de um lado e do outro?

Sabia que Portugal é hoje o 5º país com maior escassez de talento, de um total de 41 países analisados pelo ManpowerGroup para o estudo “Global Talent Shortage 2024”? E que 81% dos empregadores revelam dificuldade, ou muita dificuldade, em preencher as vagas que lançam para o mercado? E, segundo afirma Daniela Lourenço, Brand Leader do ManpowerGroup, as áreas de hotelaria e turismo integram o setor de serviços e bens de consumo onde a escassez de talento é mesmo superior à média nacional, com 82%. Além disso, as funções de atendimento e relação com o cliente encontram-se entre as mais procuradas, com 19% dos empregadores nacionais a declarar dificuldade em recrutar estes perfis. Perante estes desafios, “assistimos efetivamente a uma maior profissionalização e foco nos esforços de atração e fidelização do talento”, esclarece a responsável.
Dentro da indústria turística, foram a restauração e o alojamento os segmentos que, em 2023, mostraram maiores necessidades de recrutamento, diz a Manpower. E aqui foi a hotelaria que se destacou em termos de necessidade de mão-de-obra, com uma elevada percentagem de vagas por preencher, e assim deverá continuar a acontecer este ano. Além de funções como rececionista ou serviço de andares, os responsáveis de hotel e animadores turísticos foram alguns dos mais requisitados, aponta Daniela Lourenço, destacando a importância do atendimento a da gestão de equipas. Já na restauração, houve particular necessidade por empregados de mesa, ajudantes de cozinha e barmans. “Este é um setor que valoriza bastante o domínio de várias línguas, uma boa apresentação e competências comunicativas, o que desafia o preenchimento das vagas”, acrescenta.
Também na Randstad Portugal os dados indicam que tendo sido o setor da hotelaria aquele que mais cresceu em termos de indústria do turismo (+10% face a 2019), foi também este o que registou “uma maior pressão sobre os recursos necessários”, explica Olga Pamplona, Regional Business Director da empresa. Quanto a tendências para 2024, mantêm-se em linha com o ano passado, até porque esta é uma área que ainda procura recuperar perfis que “abandonaram o setor devido à pandemia e que mostram ainda algumas preocupações no regresso, o que faz com que continue a haver muitas ofertas por preencher, em particular em funções mais técnicas como cozinheiros e chefes de sala”, adianta.
Estes desafios levaram o setor turístico a repensar não só o recrutamento como a retenção de talento, revelando sim uma preocupação em profissionalizar a procura, revela Olga Pamplona, reconhecendo que se trata de uma área com “muitos desafios, desde logo a sazonalidade e horários, que são talvez os maiores obstáculos para os candidatos no momento de escolher este setor em detrimento de outros”.
A caminho de um setor mais profissional?
Assim, do lado da atração, e de acordo com o ManPower Group, verifica-se um maior esforço de antecipação das necessidades de contratação, sobretudo em período de pico sazonal. Uma preparação que, lembra Daniela Lourenço, “é essencial para garantir uma força de trabalho capacitada, que implica um processo rigoroso nos meses anteriores aos períodos de pico sazonal”. Para a responsável, o planeamento das necessidades de recursos humanos deve pois ser uma prioridade para as empresas garantirem que estão preparadas para atender à procura crescente e manterem um desempenho consistente, implicando a consideração por fatores como horas extra e contratação de talento temporário. ” O investimento num recrutamento cuidadoso assegura que os candidatos selecionados têm as capacidades necessárias para desempenhar as suas funções com sucesso”, frisa a Brand Leader do ManpowerGroup.

A Michael Page considera que esta profissionalização acontece sobretudo em perfis mais altos no organograma, onde se procuram profissionais com mais experiência internacional para aumentar a vantagem competitiva nacional, e se apostam em outras formas de fazer/pensar. Mara Martinho, manager da empresa de recrutamento e emprego, lembra porém que, a nível da operação, que é uma fatia ainda muito importante na continuidade do “bom serviço prestado ao cliente”, a escassez de perfis faz com que os critérios não sejam tão exigentes quanto o desejado. E defende: “Precisamos de mais profissionais com formação técnica e/ou superior que queiram profissionalizar também a base do serviço, e não só mudar a estratégia do topo”.
O lado das empresas: o que procuram e têm para oferecer
Na Michael Page, o ano de 2023 ficou marcado pelo recrutamento de vários perfis analíticos, o que demonstrou um interesse crescente por temáticas de dados e business intelligence, além da crescente procura de perfis ligados à sustentabilidade, avança Mara Martinho. Mas para se diferenciarem num mercado onde é cada vez mais difícil captar talento, a responsável diz que as empresas turísticas têm vindo a tentar adaptar-se às necessidades do mercado. E sublinha: “É importante que procurem ser cada vez mais empresas inovadoras, que promovam o bem-estar dos seus colaboradores, que lhes ofereçam benefícios, além de um salário atrativo, formação/aprendizagem contínua, margem de progressão e que procurem ter um ambiente com boas condições de trabalho”.
Em termos de perfil, o que a Michael Page observa é que, de uma forma geral, as línguas estão sempre presentes, sendo o inglês e português já obrigatórios, e uma terceira língua já um “plus”, como o espanhol, alemão, francês ou até mandarim. Se nos concentrarmos na área da formação, a empresa aponta que há cada vez mais cursos técnico-profissionais a serem procurados, como custos de gestão hoteleira, mas complementados com experiências internacionais. Além disso, refere Mara Martinho, “as empresas procuram profissionais com predisposição de serem parte integrante da estrutura, poder contribuir piamente para a estratégia, mas igualmente para a sua implementação, que vistam a camisola mas não no sentido meramente executante e sim como gestores e cabeças pensantes; que vejam as soluções e não sejam inteiramente focados no problema. Que tenham visão”.
De acordo com a manager do ManPower Group, as empresas turísticas procuram sobretudo “a capacitação e qualificação profissional dos candidatos, valorizando a formação adequada às novas tendências e priorizando a excelência do capital humano”. No caso da hotelaria, procuram-se profissionais com fortes competências de serviço ao cliente, enquanto as agências de viagens priorizam a capacidade de planeamento, acrescenta Daniela Lourenço.
Por outro lado, observa-se que as empresas também estão a apostar no aumento salarial e na formação dos seus trabalhadores, além de promoverem cada vez mais benefícios como forma de reforçar a retribuição. Entre as medidas implementadas encontram-se a possibilidade de passar férias com toda a família com condições vantajosas nos hotéis, a oferta de um seguro de saúde, prémios de produtividade ou uma maior flexibilidade nos horários. Quanto aos aumentos salariais, as empresas estão a apostar em subidas superiores às do salário mínimo, comos e verificou através das medidas da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, que definiu um aumento de 6,7%, e da AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, onde o aumento varia entre os 10% e os 15%. Além disso, houve um aumento no valor do prémio de língua (passa de 45 para 47,30 euros por mês) e do subsídio de alimentação (de 107 euros para 214,40 euros mensais). Dados do Turismo de Portugal indicam também que, em 2023, houve um aumento de 6% na remuneração bruta mensal por trabalhador no setor do turismo. Mas “os benefícios e as condições extra tornam-se centrais e necessários como forma de reforçar a retribuição aos trabalhadores e promover a atração e fidelização do talento”, reforça Daniela Lourenço.
A Manpower refere ainda que hoje os empregadores querem candidatos com perfil adaptável e orientado para o serviço, independentemente da faixa etária. “Valoriza-se a formação específica em turismo, experiência anterior no setor (embora candidatos sem experiência, mas com formação relevante ou competências diferenciadoras, também sejam considerados), conhecimentos linguísticos (inglês é frequentemente essencial e outras línguas são uma mais-valia), competências de comunicação e a capacidade de trabalhar em equipa”, enumera a manager da empresa de recrutamento e emprego. Importantes são também a flexibilidade e a disponibilidade para trabalhar por turnos, incluindo fins-de-semana e feriados.
Também segundo a Randstad Portugal, observa-se que as empresas de turismo começam a diversificar e melhorar o pacote de benefícios, procurando dar resposta às preferências dos talentos. “Existe uma maior preocupação com a componente salarial mas também com os benefícios que são valorizados pelos candidatos, como o work-life balance, a formação e a possibilidade de progressão na carreira”, diz Olga Pamplona. No momento de recrutar, e sendo um setor muito direcionado ao público, os conhecimentos linguísticos são obrigatórios. A responsável afirma que, no que se refere à faixa etária, se verifica uma evolução no setor que hoje deixou de colocar restrições, apostando sobretudo nas qualificações, até fruto da própria escassez, mas abrindo espaço a candidatos que tendencialmente tinham mais dificuldade em aceder a estas ofertas. E também fruto da escassez, mas não só, a tendência será para a subida dos salários, diz a Randstad, sendo que será na restauração e na hotelaria que se sentirá um maior crescimento.
As exigências e necessidades dos trabalhadores

Do outro lado da moeda encontramos os trabalhadores e candidatos que, segundo o estudo Randstad Employer Brand Research, com mais de cinco mil respostas, valorizam sobretudo os seguintes elementos ao se candidatarem a uma vaga de emprego: o salário e benefícios, work-life balance, bom ambiente de trabalho, oportunidades de progressão de carreira e estabilidade profissional. “Hoje, as pessoas procuram muito mais do que um salário, procuram oportunidades e projetos dentro de uma empresa que se enquadre com os seus valores, procuram experiências diferenciadas e diferenciadoras, preocupam-se muito mais com a sua formação e desenvolvimento”, garante Olga Pamplona.
Já de acordo com o estudo “What Workers Want to Thrive”, do Manpower Group, os trabalhadores esperam que os seus empregadores os ajudem a prosperar no trabalho e na sua vida pessoa. Daniela Lourenço esclarece que embora a remuneração continue a ser um fator decisivo, especialmente no atual contexto de inflação e perda de poder de compra, os trabalhadores têm outras necessidades e aspirações que ganham cada vez maior relevo. “Esperam que as empresas ofereçam mais programas e iniciativas centradas na priorização do bem-estar, ao mesmo tempo que proporcionam flexibilidade, alinhamento com os seus propósitos e valores pessoais, boas condições de trabalho com lideranças empáticas e oportunidades de desenvolvimento de competências e progressão na carreira”, remata. E acrescenta que este último aspeto tem vindo a ganhar cada maior importância, essencialmente junto das gerações mais novas: “os trabalhadores são cada vez mais motivados pelo desenvolvimento de competências e experiência, em contraste com a conquista de cargos e posições na hierarquia corporativa”. O que implica fazer movimentos laterais, como mudanças de departamento, para conseguirem uma maior realização. A responsável recorda um estudo da Oracle sobre a Geração Z que indica que 60% dos trabalhadores desta geração esperam que os seus empregadores lhes ofereçam percursos personalizados de desenvolvimento de carreira, com uma orientação regular, mentores qualificados e planos de progressão transparentes e adaptados aos seus objetivos pessoais.
Por outro lado, o estudo “The New Human Age” do Manpower Group indica que 31% dos atuais trabalhadores aceitariam outra função no próximo mês se lhes fosse oferecido um melhor equilíbrio entre trabalho e estilo de vida. Daniela Lourenço afirma que trabalhadores de todos os setores estão a exigir maiores opções e autonomia em relação aos horários laborais, incluindo escalas e turnos. E, por isso, as empresas devem explorar oportunidades de flexibilidade para todos, tais como escolha de turnos, equipas e horários de trabalho preferenciais. “O conceito de flexibilidade deve ser alargado e os empregadores devem procurar formas criativas de ir ao encontro das necessidades dos trabalhadores”, defende.
Por fim, Mara Martinho refere que cada vez mais os candidatos valorizam empresas transparentes e focadas em humanizar os processos dos seus trabalhadores: “Querem sentir-se pessoa e não um número”. E, adianta, querem sentir que têm uma retribuição justa pelo trabalho e as responsabilidades que lhes são exigidas. Mas claro que a componente salarial também é, e será sempre, valorizada.
Por Inês Gromicho, publicado na edição 347 da Ambitur.






















































