Solférias (III): “O passageiro ainda não tem a noção da dimensão da qualidade dos nossos serviços”

Na primeira entrevista desde o início da pandemia, Nuno Mateus e Sónia Regateiro, respetivamente diretor-geral e Chief Operating Officer da Solférias, abordam quais as tendências do consumidor para este ano, o aumento do preço das viagens e a relação do setor com a TAP. Por outro lado, revelam ainda o trabalho que está a decorrer a fim de resolver as dívidas “avultadas” dos fornecedores junto operadores turísticos e falam da necessidade de uma maior valorização do setor da distribuição perante o público final. Ao longo dos últimos dias, Ambitur.pt partilhou a entrevista de um dos maiores players da operação turística nacional. Leia aqui a 3ª e última parte…

Relativamente à confiança do consumidor, sentem que esta é idêntica para que ele reserve os vários destinos?

Nuno Mateus: O consumidor tem estado a mudar a sua atitude. Quando em 2019 vendíamos em reserva antecipada e depois compúnhamos as operações com a última hora, em 2020/2021 foram reservas de última hora. Mas começámos a perceber desde o fim do ano de 2021 que finalmente o consumidor começou a reservar com uma antecedência maior. A nossa grande vantagem é termos os seguros que nos dão um apoio importante. O cliente hoje sabe que se acontecer alguma coisa, se um destino fechar, por exemplo, há sempre essa salvaguarda.

A verdade é que a tendência de reservas antecipadas tem aumentado consideravelmente desde o final do ano passado, num ritmo bastante positivo.

Não sendo possível fazer grandes previsões, pelo que eu vejo, nenhum dos destinos que vamos trabalhar terá dificuldades de perceção pelo mercado. Quando lançámos o Senegal, em Portugal não é muito conhecido como destino, é um destino consagrado no mercado francês. Se se considerar o Egito, é um destino consolidado na Europa Central e do Leste.

Nós mudámos a atitude, percebemos que havia destinos que abriam e, ao fim de uma semana, duas ou ao final do mês, fechavam. A Solférias neste momento só está a publicar destinos que têm uma abertura consolidada. Havemos de abrir mais destinos, mas não a qualquer preço. No caso dos charters só os programamos em destinos completamente consolidados. Sendo destinos de referência no mercado internacional, não são uma aventura, e desta forma criamos novos horizontes para o mercado nacional, que nesta fase está mais vocacionado para voos diretos, de preferência de médio curso. Em termos do que nós consideramos estratégico para a Solférias e com capacidade de sucesso no mercado nacional para os destinos, vamos ter uma oferta variada e muito rica, que vai dar resposta às necessidades do mercado nacional.

[blockquote style=”1″]A verdade é que a tendência de reservas antecipadas tem aumentado consideravelmente desde o final do ano passado, num ritmo bastante positivo.[/blockquote]

Como estão hoje as reservas? É inevitável um preço aumento médio das viagens, tendo em conta o aumento generalizado dos custos?

Sónia Regateiro: Existe uma grande tendência de reservas antecipadas já para o período do verão. Estamos com um volume muito interessante e com uma procura e projeção de vendas já bastante interessantes para o verão. Acreditamos que a tendência irá superar as expectativas durante o período da Bolsa de Turismo de Lisboa, que consideramos que irá ser um grande período de venda e um barómetro para o mercado em geral, em termos das grandes operações que temos no nosso mercado e que poderá definir muito as tendências.

A procura para destinos como Porto Santo, Cabo Verde e Tunísia já existe. No caso do Egito estávamos a ser muito pressionados para lançar o destino porque havia muita procura. Já registamos muita curiosidade com o Senegal, com vendas muito interessantes. Também já verificamos retoma da procura para o Brasil e reservas efetivas. As Maldivas continuam também a registar muita procura e os Emirados Árabes.

Vê-se que as pessoas estão muito necessitadas de sair e viajar e não querem perder mais tempo para conhecer aquele destino que tanto planearam e sonharam fazer e que depois se viram proibidas de o fazer, devido à pandemia. Nota-se que há sede de viajar, sede de desfrutar da vida e de aproveitar ao máximo cada dia que passa, com experiências. As viagens são experiência de vida. A Covid também nos veio trazer, a todos, uma valorização de determinadas situações, não materiais, que merecem se calhar muito mais a nossa atenção do que simples artefactos que são bem dispensáveis no nosso dia-a-dia. As viagens nesse aspeto têm muito a beneficiar porque efetivamente são das maiores experiências de vida que poderemos ter.

Em relação à outra pergunta, à questão dos aumentos de preços, é inevitável. Logo pela questão da contratação dos voos, pelo fuel, pela oscilação do dólar, ao nível da hotelaria, ao nível das espécies alimentares, da contratação de mão-de-obra, entre outros.

[blockquote style=”1″]Estamos com um volume muito interessante e com uma procura e projeção de vendas já bastante interessantes para o verão. Acreditamos que a tendência irá superar as expectativas durante o período da Bolsa de Turismo de Lisboa.[/blockquote]

Como responsável pelo capítulo dos operadores da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), neste momento há um trabalho mais próximo entre o setor e a TAP Portugal?

Nuno Mateus: Nós temos que dizer bem quando efetivamente se nota um esforço muito grande para a melhoria de algo. A verdade é que hoje nos relacionamos com a TAP Portugal de uma forma tranquila. Claro que há dificuldades, como haverá sempre. Vimos todos de um momento muito complicado, mas neste momento conseguimos dialogar com a companhia aérea que era algo que já não acontecia há muitos anos atrás. Temos que dar os parabéns ao esforço que a TAP Portugal tem feito para se aproximar da operação turístico, que é o pelouro onde me integro. A verdade é que a companhia aérea tem sabido ouvir e tomar as suas decisões para estar mais próxima do trade, é indiscutível.

Fiquei muito contente com a aprovação do plano de recuperação da empresa por Bruxelas, porque a TAP é uma companhia que nos é muito importante, no universo da Solférias, trabalhamos com esta nos vários destinos em voos regulares, mas principalmente para todo o mercado.

[blockquote style=”1″]Temos que dar os parabéns ao esforço que a TAP Portugal tem feito para se aproximar da operação turístico, que é o pelouro onde me integro. A verdade é que a companhia aérea tem sabido ouvir e tomar as suas decisões para estar mais próxima do trade.[/blockquote]

Relativamente à APAVT e ao capítulo dos operadores, quais os desafios em cima da mesa?

Nuno Mateus: A APAVT tem desafios constantes. Não querendo misturar nesta entrevista os dois papéis, não posso deixar de reconhecer que a Associação foi fundamental na sobrevivência do setor nesta pandemia, desde o repatriamento dos clientes ao “voucher” Covid. O mercado está unido, só temos a ganhar ao estarmos todos unidos.

Há desafios. No caso dos operadores tem havido muita reunião da APAVT em relação a vários fornecedores que ainda têm dívidas avultadas com os operadores, nomeadamente.

Na Solférias temos dois valores principais, a equipa, como já referi, e depois ao nível dos pagamentos. Fomos dos primeiros a reembolsar a questão dos vales, reconhecendo que ainda há muitos fornecedores que têm dívidas connosco. A APAVT pela sua dimensão acaba por ser uma grande mais-valia na resolução destas questões para o mercado, sem dúvida nenhuma.

Como pode o mercado da operação e distribuição de viagens ser mais valorizado?

Nuno Mateus: Muitas vezes a nossa dificuldade, falo pelo mercado como um todo (agências e operadores), é fazer chegar a mensagem ao público final das vantagens de trabalharem efetivamente com uma agência de viagens. Quero acreditar que se muitos dos passageiros que reservam diretamente de uma forma isolada tiverem conhecimento do que a Lei nos obriga a garantir em termos de pacotes turísticos, dificilmente alguém faria uma viagem de avião e hotel que não fosse reservada numa agência de viagens.

A verdade é que a reserva pela agência de viagens traz um grande conforto para o passageiro. Hoje em dia quando se reserva uma viagem (no mínimo com avião e hotel), se acontecer alguma coisa que impeça a viagem, seja porque testou positivo à Covid, porque a fronteira do destino fechou ou qualquer outra razão, desde que seja reconhecida pelas autoridades competentes, o cliente tem que aguardar 14 dias pelo reembolso total. Isso não acontece ao nível da reserva de um serviço intergrado (avião, hotel, entre outros). O ideal era podermos alargar esse conhecimento ao cliente final. Era muito útil um esclarecimento global das responsabilidades das agências de viagens como realizadoras de viagens e quais as consequências do passageiro reservar diretamente de uma forma isolada. Se pegarmos em vários estudos, nomeadamente nos EUA, vemos que há gerações que há muito que tinham abandonado o conceito de reservar por uma agência de viagens, mas que agora estão a retornar. Pela questão da segurança, da confiança, a verdade é que é muito simpático ter uma pessoa altamente especializada a resolver problemas quando eles existem ou a atender o telemóvel quando ninguém quer atender. Nós e os agentes de viagens temos números 24 horas durante 365 dias do ano para ajudar em qualquer imprevisto.

[blockquote style=”1″]Era muito útil um esclarecimento global das responsabilidades das agências de viagens como realizadoras de viagens e quais as consequências do passageiro reservar diretamente de uma forma isolada.[/blockquote]

A APAVT tem de continuar a divulgar essa mensagem, assim como todos os operadores turísticos e agências de viagens devem demonstrar que somos uma mais-valia no setor.

O papel dos agentes de viagens é fundamental, porque os países não estão a funcionar ao mesmo ritmo e isso significa que as regras estão constantemente a mudar. Nós temos a capacidade de ter todas as obrigações necessárias para viajar, como informação ao cliente. O passageiro ainda não tem a noção da dimensão da qualidade dos nossos serviços, senão seríamos mais valorizados.

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