O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região do baixo, norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

A 10 Km de Évora, num antigo paço medieval do século XIV e numa herdade que se estende por 100 hectares, encontramos a Fitapreta, empresa criada por António Maçanita e David Booth em 2004, muito antes de sequer sonhar plantar suas vinhas no Paço do Morgado de Oliveira. Mas comecemos pelo princípio, uma história que nos é contada por Alexandra Leroy Maçanita, mulher de António, que, depois de muito viajar pelo mundo e experimentar áreas diferentes, decidiu juntar-se ao marido, sendo hoje responsável pelo departamento de enoturismo da Fitapreta.
A parceria entre António a David nasceu porque o primeiro, enólogo, queria ter um projeto próprio mas, sem legado familiar para poder fazê-lo e sem experiência na área da viticultura, precisava de alguém que o ajudasse a ir para a frente com este desígnio. Desta amizade nasce a Fitapreta, há mais de 20 anos, e os primeiros vinhos – o Sexy Tinto e o Preta – ainda sem adega ou vinha. O nome Fitapreta poderá gerar alguma curiosidade aos mais atentos e, na verdade, nada tem a ver com o Alentejo. António passava as suas férias em São Miguel, nos Açores, numa casa que pertencia à família cuja alcunha era Fitapreta. O nome ficou na cabeça e passou para o papel.

Os primeiros anos tiveram lugar em vinhas e uma adega arrendadas, inicialmente produzindo pouco vinho mas reinvestindo todos os anos e vendo a empresa crescer. A morte do sócio David apanhou António de surpresa e obrigou-o a reorganizar a empresa, desafiando-se então a pensar em ter uma adega própria, com gravidade, e maior dimensão. Foi quando, em 2015, foi bater à porta do Paço do Morgado de Oliveira, um imóvel que sempre lhe chamara a atenção ao passar na estrada, e que o levou a conhecer o proprietário de então, que o avisou desde logo que não havia interesse em vender o edifício, que estava há mais de 700 anos na família Saldanha. A persistência de António Maçanita acabou por levar a melhor e, após cerca de ano e meio de conversas e de uma amizade que se foi construindo com D. João de Saldanha, a compra de 87% do paço acontece em dezembro de 2016, deixando os restantes 13% para o morgado (basicamente uma forma de garantir que o património nunca saía das famílias). Na verdade, isso significa que a família Saldanha é sempre bem-vinda no Paço do Morgado de Oliveira. Antes ainda de o negócio ser selado, já António e Alexandra, que entretanto se juntara já ao projeto de corpo e alma, tinham decidido pôr mãos à obra e, na herdade, lavrar um terreno de cinco hectares para poderem começar a plantar as primeiras vinhas em fevereiro.
A Fitapreta apenas tem vinhas não regadas porque, explica-nos a nossa guia, enquanto nos dá a provar alguns dos vinhos que hoje em dia saem da adega, António e David cedo se aperceberam de que os melhores vinhos provinham deste tipo de produção. E assim continuou a ser na nova herdade, depois de um grande estudo do perfil dos solos. Poderá parecer loucura plantar vinhas deste modo num Alentejo quente e seco, e Alexandra admite que nos primeiros anos foram muitas as plantas que morreram. “Mas voltámos a plantar e partimos do princípio de que a vinha, sendo uma trepadeira, é uma sobrevivente, tem mesmo que desenvolver por si própria as suas raízes, pois só assim consegue o equilíbrio”, detalha a responsável. Hoje é uma vinha com oito anos e, garante-nos Alexandra, “super saudável, que dá uma fruta excelente, e acreditamos que muito tenha a ver com o terroir mas também com esta persistência de não regar e facilitar”.
Aos primeiros cinco hectares foram entretanto adicionados dois anéis. À volta do edifício medieval, hoje totalmente recuperado, apenas está plantado arinto, e nos dois anéis adicionais essencialmente tintos, chegando atualmente a cerca de 30 hectares de vinha. A ideia foi sempre interferir o mínimo possível no terreno, sem abater árvores, retirar pedras ou destruir zonas de montado, o que traz dores de cabeça acrescidas à equipa de viticultura pois trata-se de centenas de parcelas muito pequenas, que acabam por se harmonizar na perfeição com a paisagem. Tudo isto significa, claro, que a sustentabilidade é um tema que é levado muito a sério na Fitapreta, que integra o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo.
A construção da adega ocorreu em 2017, um espaço moderno que respeita o declive natural do terreno, que inicialmente funcionou apenas com o essencial, recorrendo a materiais duráveis como o aço, o ferro e o vidro. A ideia de transparência é a base pois, no decorrer de uma visita, como aquela que fazemos, é possível ter noção da vida da adega e do trabalho dos enólogos. Um ano e meio depois o edifício da adega foi totalmente revestido com placas de cortiça que se integram na paisagem e ajudam ao nível do isolamento acústico e térmico. Existe também um lagar de azeite.
O trabalho de recuperação do Paço do Morgado de Oliveira foi outra história. O que se via, na altura, diziam os historiadores, pouco ou nada tinha a ver com os séculos da construção original, recorrendo-se a uma pedra “fingida”, um método muito utilizado no século XIX como símbolo de riqueza. Mas os novos proprietários quiseram voltar atrás no tempo e, juntamente com uma equipa de historiadores e um arqueólogo, começaram a descascar o edifício, descobrindo portas e janelas de outras eras, e escadas seculares.
Hoje o Paço apresenta-se com toda a sua imponência e aqui se recebem as uvas apanhadas durante a noite, através de uma vindima manual, e que chegam ainda frescas. O processo arranca no início de agosto com as uvas brancas, que vão para um tapete onde são selecionadas, depois para as prensas pneumáticas e o sumo segue para as cubas, para decantar a frio entre sete a 12 horas. O objetivo, explica Alexandra, não era ter um museu, mas sim dar uma função ao “novo” Paço, o de ser a adega de brancos. Podemos conhecer, e saborear, vinhos como o Laranja Mecânica, o Fitapreta Branco, o Morgado de Oliveira, a Touriga Vai Nua ou o Chão dos Eremitas, este último proveniente de uma vinha velha de 50 anos, no sopé da Serra d’Ossa onde os Eremitas de São Paulo plantavam as suas vinhas. E experimentamos igualmente três tipos de fermentação: em inox, barrica ou talha.
Ao longo da visita podemos ainda ver uma exposição de fotografias que retratam a obra de recuperação do Paço. E seguimos para a zona da capela, que não se encontrava em tão mau estado de conservação, tendo sido alvo de uma limpeza profunda e minuciosa, para dar hoje lugar a uma sala de estágio.
A versatilidade da Fitapreta é facilmente constatada durante a nossa visita. Há quem seja atraído pela grandiosidade do edifício e depois venha fazer uma prova de três vinhos, numa visita curta de uma hora. Mas Alexandra garante que o mais comum é os clientes quererem a prova de cinco vinhos, ou mesmo de sete ou 12. Há quem venha pela primeira vez mas há também os repetentes, que querem sair com uma experiência diferente.
Na Fitapreta do Alentejo há cerca de 30 referências de vinho e produzem-se cerca de 300 mil garrafas por ano. Mas, além do Alentejo, a empresa conta ainda com uma adega no Douro, outra no Pico (Açores) e mais uma no Porto Santo (Madeira), o que significa que, no total, são aproximadamente 90 os vinhos.
Prosseguimos a “viagem” por este edifício histórico e chegamos ao mais recente projeto, o restaurante. A antiga cozinha do Paço foi recuperada e hoje faz parte da experiência de quem escolhe almoçar ou jantar neste espaço pois é a primeira sala que nos espera. O restaurante está aberto de terça a sábado, à hora do almoço e, às quintas e sextas, abre também para um “early dinner”.
A experiência enoturística – não esquecer que a Fitapreta foi recentemente distinguida como o melhor enoturismo de Portugal na 4ª edição do Prémio Nacional do Enoturismo – também pode ser complementada com alojamento, num monte ali próximo, já fora da propriedade, e estão ainda em projeto 26 quartos que integram a herdade, com a recuperação da casa do capelão que poderá dar origem a quatro ou cinco suites, e mais seis montes espalhados pelos muitos hectares de terreno, um projeto já aprovado pela autarquia e que poderá estar concluído, na totalidade, até 2030.




















































