O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região do baixo, norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

A defesa da costa atlântica portuguesa ao longo dos séculos foi uma preocupação constante, mas o território que nos junta a Espanha não mereceu menos atenção. E um dos seus pontos fracos era precisamente Elvas. Esta é uma região que separa por via terrestre Lisboa de Madrid, sem grandes elevações, sempre úteis na vertente defensiva. Nasce, dessa preocupação, uma das maiores obras militares terrestres portuguesas, hoje património da UNESCO, o Forte da Graça, no século XVIII. Considerada uma obra notável da arquitetura militar, é também considerada, por muitos historiadores, como uma das mais poderosas fortalezas abaluartadas do mundo. Mas não foi fácil o seu término, que só resulta do empenho do Marquês de Pombal e de muito investimento por parte da coroa portuguesa. Fica o convite para conhecer um pouco mais da nossa história recente, quando Portugal ainda desafiava o mundo, para além da sua língua.
Não há história sem histórias, nem património sem histórias, e muitas estão ainda sem se saber desde a fundação de Portugal. Aquelas que ainda não se perderam aguardam por se revelar. Esta junta três grandes personalidades à época que levaram por diante um projeto arrojado, desde a sua conceção à implementação. O primeiro, Wilhelm, Conde de Schaumbourg-Lippe, o segundo, o Coronel Guillaume Louis Antoine de Valleré, e o terceiro, Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, e Marquês de Pombal. Quem nos folheia este testemunho é Edgar Nanques, técnico superior de História do Município de Elvas, que ao virar da página acentua que este projeto “juntou três personalidades, três génios da época, e resultou nisto, resultou que aqui se esgotou toda a arquitetura militar do tempo, aqui se esgotou, e lendo os tratados de fortificação, está tudo aqui, porque também houve os constrangimentos todos a uma fortificação deste género, e então está aqui tudo presente”.
O Forte da Graça, com 17 hectares, ocupa o topo de um monte, o mais alto da região, que está modelado em arestas, sendo estas as primeiras muralhas exteriores. É uma inovação também ao século XVII, às muralhas seiscentistas. “Porque se repararem, e lá de cima vamos ver isso tudo, desde o solo até uma cota, a muralha exterior tem uma altura. Aqui não. O Forte parece que foi enterrado na montanha. Não foi enterrado, foi adaptado à montanha”, indica.
O Forte do Conde Lippe, só mais tarde é rebatizado por D. Maria II, é construído no âmbito do rescaldo da guerra dos sete anos (1756-1763), chamada “Guerra Fantástica”, em que os franceses, e depois, juntamente com os espanhóis, tentavam enfraquecer o poder britânico. Só que Portugal não aderiu a esse pacto, mantendo viva a aliança diplomática mais antiga do mundo (1386). “Houve um pacto familiar entre a família Bourbon, que junta o rei espanhol e o rei francês, para tomar as colónias inglesas, e não só. E então, como Portugal não adere, ficamos inimigos de Espanha, mais uma vez, e agora com a França também de arrasto. Há então um ultimato a Portugal, através do Tratado de Fontainebleau, desde aí ficámos inimigos dessa gente toda”, acrescenta Edgar Nanques. No rescaldo deste breve conflito, que levou a pequenas invasões de algumas terras lusas e repulsa das mesmas, leva a que o Marquês de Pombal, na altura era Conde de Oeiras, e que tinha desempenhado cargos diplomáticos em Inglaterra, peça ao rei inglês que lhe envie alguém que ajude o país na reestruturação do exército e defesa nacional. Aparece neste contexto “um homem importantíssimo para o exército português do século XVIII e até à atualidade, o Conde Lippe”.
Este vem assim para reorganizar o exército: “que está completamente desorganizado, obsoleto, a todos os níveis, até a nível de postura, de fardamento, de soldo – e os nossos não estavam a ser pagos, nem os oficiais; e ele vem reorganizar o exército e uma espécie de vistoria, uma visita a todas as fortificações que fazem fronteira com a Espanha no norte e sul do país”, complementa o nosso entrevistado. Reza a história que quando chega ao Alentejo, constata que, para já, esta é a província mais frágil defensivamente, em termos orográficos, não tendo tanta montanha ou colina para se defender, e constata que em Elvas há uma praça militar de excelência, que transita do séc. XVII, já com o Forte de Santa Luzia e com a Praça Militar de Elvas e um contingente militar grande. Para mais, “aqui há uma posição estratégica da cidade de Elvas, desde sempre, desde o tempo dos romanos, em que estamos a mais ou menos 400 quilómetros de Madrid, a 200 e pouco de Lisboa, sendo a primeira entrada no reino. Isto tem de ser fortificado, considera o Conde Lippe. E aqui nesta colina, que tem mais a ver connosco, com o Forte da Graça, o que havia aqui eram as ruínas de uma Ermida do século XIII, feita por frades dominicanos, que vieram com D. Sancho II aquando da reconquista definitiva de Elvas aos Mouros”, acrescenta o interlocutor. Recuando no tempo, na história, a partir dessas ruínas, no século XVII, em 1658, há um cerco à cidade de Elvas, sendo a cidade palco de um cerco durante a Guerra da Restauração, quando o exército espanhol tentou tomá-la. Este cerco, que ocorreu após a retirada portuguesa de Badajoz, tornou-se um dos momentos cruciais da guerra. Essas ruínas, da Ermida, serviram de reduto a um pequeno forte construído pelos castelhanos para fazer o cerco à cidade, com duas bocas de fogo, dois canhões, para tentar arrasar a cidade de Elvas que era a mais importante na região, mas o tiro não era eficaz. Apenas se destruíram uns telhados na parte norte da cidade, que é a que está voltada ao Forte da Graça, a parte mais alta do centro histórico, tendo o cerco terminado meses depois, isso foi em outubro.
Um século mais tarde houve esse perigo novamente, com uma agravante, a artilharia já estava desenvolvida ao ponto de ser eficaz. “Já tínhamos uma eficácia de mais de 2.500 metros em linha reta. A cidade está a dois quilómetros. Então, era perigoso. Era perigoso se a história se repetisse. E o Conde Lippe sabia, ele próprio projeta o forte e diz que é necessário fortificar toda a montanha”, complementa o historiador. Assim se decide avançar com o Forte do Conde Lippe, ficando umas décadas mais tarde o monte todo fortificado, os 17 hectares, “compostos por três corpos, todos eles diferentes, todos eles independentes uns dos outros para defender”: as obras exteriores, o corpo principal e o reduto central. Para executar o projeto é designado o Monsignor Étienne, um engenheiro militar francês, que nem chegou a trabalhar ali, pois foi recrutado para a Alemanha. Pois o Conde Lippe era alemão, prussiano, e o seu condado estava em perigo. A Alemanha era dividida, estava em guerra, e o condado de Lippe ameaçado, então este leva o Étienne para o fortificar. Aqui, em Elvas, fica então um francês a executar o projeto, o General Valleré, que estava próximo, no quartel de artilharia de Estremoz, e ele ficará até o final da obra. A obra inicia-se por volta de 1763 e termina em 1792. São 29 anos de construção, mas com uma paragem entre 1777 e 1778, por questões relacionadas com a falta de mão-de-obra e custos.
“Os seis mil homens que estiveram aqui numa primeira fase, todos eles eram do concelho de Elvas. Era a população ativa que trabalhava nos campos. E sem essa força, os campos ficaram desleixados, até os próprios proprietários ficaram sem saber com quem contar para pastar o gado e para fazer agricultura”, indica o responsável. São então chamados à atenção o Rei D. José e o Marquês de Pombal: “tanto é que o Valleré lhe respondeu também numa visita que eles fizeram, o Rei D. José e Sebastião José Carvalho Melo, o nosso marquês de Pombal, que era Conde de Oeiras, e também o Conde Lippe, que veio ver a obra que projetou. E ele diz ao rei que não se preocupe com isso, dinheiro, porque se quiser fazer dinheiro, venda mais tarde o edificado ao rei católico. Venda ao rei de Espanha”. Segue-se então a ordem de libertar presos de Norte a Sul de Portugal para ajudarem na mão-de-obra necessária à finalização do projeto.
Insiste Edgar Naques, este projeto juntou três personalidades espetaculares, que é o Marquês de Pombal, um grande ministro, com todas as contradições que nós sabemos, mas que libertou D. José para outras funções, uma função mais de relações públicas, uma função mais social, porque o Rei confiava muito nele, dá-lhe todas as outras pastas, apesar dele, na parte bélica e militar, não ter grande aptidão, por isso mandou vir à alguém; o Conde Lippe que era um homem que era filósofo, que privou com Voltaire, que é do racionalismo alemão, na corrente filosófica, que é um militar por excelência; e o Valleré um senhor que é engenheiro militar, engenheiro hidráulico, é ele quem cria todo o sistema de recolha da água da chuva para a cisterna do forte e funciona até hoje, desde o século XVIII até hoje, toda a água da chuva que cai no forte vai para a cisterna, e era também engenheiro de artilharia, ele próprio desenha peças de artilharia que só funcionavam aqui, umas até amovíveis, porque estão aqui sempre barricadas bocas de fogo, mas não haviam 144 canhões, então era necessário deslocar os existentes. Tanto é que ele morre em 1797, cinco anos depois do forte ser construído, e quem estava aqui com medo de algum ataque, teve que falar com a viúva, que é a Maria Luísa Valleré, para lhe mandar as plantas, para lhe mandar os projetos do Valleré, porque ninguém sabia meter a artilharia a funcionar”.
O Forte da Graça faz parte do maior conjunto de fortificações abaluartadas terrestres do mundo. Este conjunto, classificado como Património Mundial pela UNESCO, inclui fortificações como as muralhas abaluartadas do século XVII, o Forte de Santa Luzia, e três fortins existentes, de quatro. O sistema abrange uma área de 300 hectares e tem um perímetro de 8 a 10 quilómetros. “Por exemplo, Malta tem uma fortificação abaluartada, mas é uma ilha, tem um perímetro maior que o de Elvas. No entanto, ao ser uma ilha, é considerada uma fortificação marítima”, indica o nosso interlocutor.
Estas são algumas histórias que este edificado militar transporta, mas há outras, assim como há elementos arquitetónicos a serem observados e outros militares. Muito fica ainda por folhear este livro, muito fica ainda por visitar.






















































