(Entrevista I) Algarve: “A sustentabilidade passou a ser uma exigência, passou a ser uma obrigação”

O Algarve é o destino do mês. E, como não poderia deixar de ser, entrevistámos André Gomes, presidente da Entidade Regional do Turismo do Algarve, em Faro. Uma conversa que iremos publicando ao longo das próximas semanas, e da qual fica aqui uma primeira parte, de enquadramento da estratégia para o turismo na região.

Qual a visão estratégica para o turismo do Algarve, e como se alinha com a estratégia de desenvolvimento nacional 2035, a qual estamos à espera que seja apresentada publicamente?

Participámos naquilo que foi um processo de diálogo e de construção, muito participativo, desta Estratégia de Turismo 2035, houve sessões em todas as regiões, tivemos uma aqui também, em Faro, na Universidade do Algarve. Portanto sabemos mais ou menos em que sentido é que ela vai e quais os objetivos da estratégia a nível do turismo nacional versus 2035. Na verdade, ainda ontem estive com o Secretário de Estado de Turismo, em Lisboa, e acredito que esta será apresentada até ao final deste ano. É mais uma questão de agenda, porque creio que a estratégia em si, o documento, está praticamente fechado.

Ao nosso nível, temos um plano estratégico para o turismo do Algarve, que, inclusive, tivemos a oportunidade de rever e de apresentar publicamente a nova versão versus 2028, que também é um pouco aquilo que é o timing deste mandato. A estratégia acaba por não ser disruptiva com aquela que vinha a vigorar até 2023, mas segue uma linha na perspetiva da consolidação do destino, um destino maduro.

Estamos a assinalar os 55 anos da Região de Turismo do Algarve, tivemos comemorações que se iniciaram precisamente na data do nosso aniversário, a 18 de março, e encerrámos as comemorações no Dia Mundial do Turismo (27 de setembro), com uma gala no Casino Vilamoura e o Algarve Nature Fest. Esta comemoração contou com 55 eventos que assinalámos ao longo deste período e que, de facto, mostram a maturidade do destino, um destino claramente consolidado tanto naquilo que é o panorama nacional, como internacional.

Uma consolidação também face ao mercado nacional…

Quando falamos do ponto de vista nacional, os números, felizmente, vêm contrariar muitas daquelas narrativas afirmadas ano após ano sobre aquilo que é o impacto do mercado nacional no destino. Narrativas que todos os anos nos vamos habituando a ouvir aqui na região, do afastamento dos portugueses do Algarve, que o Algarve está muito caro para os portugueses… Como disse, efetivamente, aquilo que são as estatísticas do INE – que, abro já o parêntesis, não contabilizam tudo aquilo que é a atividade efetiva gerada por este setor, e aqui no Algarve isso é por demais evidente e por demais premente e prejudicial para a região, a não contabilização do alojamento local inferior a 10 camas por parte do INE. Repare, nós na região temos mais de 40 mil registos de alojamento local, e 90% são inferiores a 10 camas. E, portanto, isto são tudo números que fogem à contabilidade do INE, no que diz respeito a dormidas, a hóspedes, a proveitos, e é algo pelo qual eu me vou continuar a bater, para que, de uma vez por todas, o INE passe a contabilizar também estes dados.

Mas, efetivamente, como dizia, os dados que temos do INE vêm demonstrar uma consolidação junto do mercado nacional. Por exemplo, em agosto, que é uma altura em que temos uma concorrência muito forte de diversos destinos, crescemos essencialmente ao nível do mercado nacional 3,4% em dormidas face ao ano anterior, e isto mostra claramente que o Algarve continua a ser o principal destino de férias dos portugueses.

E ao nível internacional?

Do ponto de vista internacional, o Algarve também está perfeitamente consolidado, ao nível daquilo que são os mercados tradicionais, com os quais temos uma ligação mais histórica, desde o mercado britânico, irlandês, neerlandês, francês, ou alemão, este o último que, efetivamente, nos últimos dois anos vemos a recuperar. E não tínhamos ainda visto essa recuperação do mercado alemão, relativamente aos valores que tínhamos no período pré-pandemia, mas efetivamente vemos um crescimento consolidado.

Lá está, também ao nível desses mercados com os quais estamos mais historicamente ligados, onde temos muitos daqueles que são os “repeaters”, que todos os anos visitam a região, o que demonstra também alguma capacidade da região em, todos os anos, apresentar alguma novidade, alguma inovação, na perspetiva daquilo que são as experiências que proporcionamos aos turistas que nos visitam.

E depois, por outro lado, também com um crescimento muito assinalável ao nível dos mercados de diversificação, onde claramente nos últimos tempos o mercado norte-americano e canadiano têm tido uma evidência mais premente. Mas isso também é por força daquilo que tem sido uma estratégia e uma aposta, não só da região, mas também nacional. Obviamente as regiões não vivem isoladamente, beneficiam daquilo que é o trabalho da marca Portugal, assim como a marca Portugal também beneficia do trabalho das regiões. Mas o mercado norte-americano e o mercado canadiano têm vindo a conhecer um crescimento exponencial na região. Isso depois reflete-se a diferentes níveis, seja ao nível daquilo que são os investimentos que vemos acontecer na região, ou ao nível daquilo que são os impactos na atividade turística propriamente dita, gerada quer na hotelaria, na restauração, nos diversos serviços. Portanto é com agrado que vemos esse caminho a concretizar-se, no sentido de continuarmos a ser um destino claramente competitivo, um destino claramente qualificado, com experiências.

Sendo que a aposta passa por…

Aquilo que é a nossa aposta claramente passa por mostrar que temos experiências autênticas, passar aquilo que é a nossa cultura, as nossas tradições e, acima de tudo, proporcionar momentos inesquecíveis, obviamente, a todos quantos nos visitam. Isto tendo sempre presente a questão da sustentabilidade. A sustentabilidade passou a ser uma exigência, passou a ser uma obrigação. Passou a ser uma exigência não só das nossas populações locais, mas passou a ser uma exigência por parte dos nossos turistas, e é uma exigência do próprio território, na perspetiva de que nos obriga a preservar e a gerir aquilo que são os nossos recursos naturais.

Portanto, vemos com agrado esta consolidação, acima de tudo, ao nível daquilo que é um destino muito maduro, um destino que compete com os melhores destinos do mundo, em diferentes segmentos. Não é por acaso que também vamos tendo muitos reconhecimentos, do ponto de vista internacional, da qualidade da nossa oferta. Por diversas vezes eleitos como o Melhor Destino do Mundo e da Europa, como Melhor Destino de Praia ou Melhor Destino no segmento do Golfe. Ainda agora, com inúmeras unidades hoteleiras premiadas nos World Travel Awards e golfes premiados nos World Golf Awards. Isso demonstra a aposta que a região está a fazer na qualificação, na qualidade dos serviços que presta, não obstante, obviamente, de termos muitos desafios pela frente que nos são colocados diariamente, e para os quais trabalhamos em conjunto, ao nível do setor, para dar respostas.

Em jeito de síntese, e se eu lhe perguntasse o que é consolidar um destino turístico maduro, responder-me-ia ao nível da competitividade, qualificação, diversificação, inovação e com uma visão sustentável… há algo elemento acima dos outros?

Uma grande aposta ao nível daquilo que é a diversificação, e quando falamos do nível da diversificação, falamos de uma grande aposta a dois níveis, por um lado, no que diz respeito aos mercados emissores, ou seja, não obstante estarmos consolidados com aquilo que são os nossos mercados tradicionais, continuamos a apostar naquilo que é a diversificação dos mercados emissores. Não só com a aposta nos Estados Unidos, mas, por exemplo, com uma aposta também muito forte naquilo que são os mercados do Norte da Europa, do Centro da Europa, estando isto, obviamente, muito relacionado com a nossa estratégia em termos do aumento da conetividade aérea. Trabalhamos muito naquilo que são os nossos mercados emissores, em função das novas rotas e da extensão das rotas que temos a partir do Aeroporto de Faro.

Por outro lado, diversificação ao nível da oferta, dos segmentos de oferta, ou seja, mostrar que o Algarve hoje em dia é muito mais do que o sol e praia, é muito mais do que o golfe… Temos um turismo de natureza que, nos últimos 10 anos, diria eu, tem sido talvez o segmento que nos tem permitido demonstrar que somos um destino visitável durante todo o ano, com experiências, as tais experiências autênticas, que mostram aquilo que é a nossa identidade, porque muito deste turismo de natureza desenvolve-se ao nível daquilo que é o interior do nosso território. Chegando àquilo que é um dos nossos principais desafios, a gestão dos fluxos turísticos que temos na região.

A gestão dos fluxos turísticos é uma área de atuação que se está a tornar cada vez mais prioritária…

Como entendemos a nível nacional, considero que não faz sentido falarmos em turismo a mais ou em “overtourism”. Obviamente que temos de estar atentos aos sinais que os mercados internacionais nos vão dando. Creio que, aqui, o nosso grande desafio efetivamente é a gestão dos fluxos turísticos. E dou-lhe um exemplo que demonstra bem aquilo que é o nosso desafio e aquilo que são os nossos objetivos para os próximos anos. Nós, em 2024, tivemos mais de 21 milhões de dormidas registadas na região, contabilizadas pelo INE. Fora aquilo que diz respeito ao AL, posso-lhe dizer que, no âmbito de um trabalho que fizemos com a ALEP, ao nível do alojamento local, e tendo por base aquilo que são os números do Eurostat, que analisa estes números do alojamento inferior a 10 camas, nós chegámos a oito ou nove milhões de dormidas, por exemplo, que se podem ter gerado em 2024 e que não são contabilizados pelo INE. Mas pegando só nos números do INE, dos 21 milhões de dormidas que nós registámos em 2024, perto de 70% estão concentradas em três concelhos apenas na região.

Somos 16 concelhos, temos cerca de 70% destes 21 milhões de dormidas concentrados em três concelhos apenas e, mesmo falando nestes, não estamos a falar na sua área territorial total, que até são concelhos que têm bastante área de interior. Estamos a falar, essencialmente, da costa litoral. Portanto, este é claramente um dos nossos principais desafios, relacionados em particular com a sustentabilidade. Quando falo em sustentabilidade, também faço questão de frisar isto: há muito a tendência para se pensar só na vertente ambiental, mas depois há a vertente social e económica, que é tão ou mais importante do que a ambiental.

Portanto, temos que ver sempre a questão nas três vertentes. E isto, claramente, é um dos nossos desafios, gerirmos melhor os nossos fluxos turísticos, demonstrarmos que o Algarve é muito mais do que Albufeira, do que Loulé ou Portimão, e aqui estamos a falar de três concelhos que concentram os 70% destes 21 milhões de dormidas. E que temos todo um interior para conhecer, onde precisamos também de oferta ao nível dos diversos serviços. Por isso é que, também, muitas vezes, quando colegas me perguntam, há mais hotelaria na região, mais hotéis, pensam que são precisos mais hotéis? Eu respondo: Efetivamente precisamos. Porque, se queremos dar a conhecer outras áreas do território, temos de ter serviços, para que as pessoas possam usufruir destes territórios. Fico muito agradado quando vejo novos projetos turísticos a acontecer em territórios como São Brás de Alportel, Alcoutim, o interior de Loulé, como é o exemplo o Ombria em Querença, que tem sido bastante elogiado e premiado por aquilo que foi a integração dentro do território, com uma unidade com uma qualidade fantástica. Este tem muito também que ser o nosso caminho do futuro.

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