Eduardo Jesus, Secretário Regional de Turismo, Ambiente e Cultura da Madeira, é o Grande Entrevistado desta edição, onde também assume a função de Diretor Convidado. A Madeira é pois o centro desta conversa, na qual procurámos saber quais os principais desafios que o destino enfrenta e quais as estratégias do governante para os ultrapassar. Mas quisemos também conhecer a “pessoa” por trás do “político”, cuja ligação ao turismo admite nascer muito cedo e garante que a sua ambição é “ver a Madeira como uma referência mundial em turismo sustentável”.
Quais os três maiores desafios que a atividade turística terá pela frente, na próxima década?
Os grandes desafios do turismo nos próximos 10 anos serão a sustentabilidade efetiva dos destinos, a adaptação à transição digital e a gestão equilibrada do crescimento. A sustentabilidade deixou de ser uma opção para se tornar uma obrigação – ambiental, social e económica. A digitalização, por sua vez, será o motor da competitividade, da gestão inteligente do destino e da relação com o visitante. Finalmente, a capacidade de conciliar o sucesso turístico com a qualidade de vida da população residente será determinante para garantir a longevidade do setor.
Como a Madeira os está a encarar e que estratégias tem em mente para os ultrapassar?
A Madeira tem encarado estes desafios com planeamento e antecipação. Por exemplo, a Estratégia Regional para o Destino, em vigor desde 2022 e até 2027, já incluía a certificação para a Sustentabilidade, um processo que foi iniciado em 2021 e que tem decorrido com sucesso sendo que, desde maio passado, a Região já atingiu o nível três do grau prata desta certificação.
Os documentos orientadores do setor regional, como é o caso da Estratégia Regional e do Plano de Ordenamento Turístico, permite que a nossa ação esteja a ser orientada de acordo com os desafios que se colocam hoje e aqueles que se preveem para amanhã e que incluem assim a sustentabilidade, a digitalização e diversificação de mercados. Além disso, continuamos a investir fortemente na qualificação da oferta e na promoção baseada em dados e segmentação comportamental. O objetivo é crescer de forma qualitativa, não apenas quantitativa.
Quais os objetivos de crescimento a 10 anos para o território e quais os eixos de desenvolvimento?
Na última década, a Madeira afirmou o turismo num dos principais motores económicos da região, duplicando o número de visitantes e ampliando mercados. Hoje o desafio não é continuar a crescer, ao ritmo dos últimos anos, em número, mas crescer em qualidade, de forma inteligente, sustentável e equilibrada.
Os objetivos a 10 anos passam por consolidar a Madeira como referência mundial em turismo sustentável e de qualidade. Para isso, definimos quatro eixos fundamentais: conectividade e acessibilidade aérea, assegurando que o destino mantém rotas regulares, competitivas e diversificadas; Diversificação da oferta turística, apostando em produtos complementares – turismo ativo, natureza, cultura, mar, saúde e bem-estar; Digitalização e inovação, para melhorar a experiência do visitante e a gestão do destino; Formação e capacitação dos recursos humanos, preparando profissionais com novas competências, desde a hospitalidade até à análise de dados.
Queremos que o turismo continue a ser o motor económico da Madeira e, simultaneamente, também um instrumento de coesão social e de valorização do território.
Ao nível da sustentabilidade e da área digital qual o caminho concreto que se segue nos próximos anos?
O caminho já começou e está bem definido. A Madeira já obteve o terceiro nível do selo prata em sustentabilidade pelo Global Sustainable Tourism Council (GSTC), o que demonstra o nosso compromisso real com práticas responsáveis. O desafio agora é continuar a envolver as empresas, os residentes e os visitantes neste esforço coletivo e atingir o nível ouro em 2027.
Na componente digital, a Região já tem ao dispor o PRISMA, uma plataforma que integra dados de múltiplas fontes: fluxos turísticos, mobilidade, consumo e perceção dos visitantes. Esta informação é fundamental para planear, prever e agir de forma mais eficiente.
O turismo inteligente não é apenas tecnologia; é uma forma de governança baseada em dados e evidências que melhora a tomada de decisão e a experiência de quem nos visita.
Considera os eventos turísticos as grandes âncoras do turismo da região. Como estes podem crescer ou tornar-se ainda mais relevantes?
Os eventos são o rosto emocional do destino. A Madeira tem um calendário riquíssimo — Carnaval, Festa da Flor, Festival do Atlântico, Clássicos na Magnólia Festa do Vinho Madeira, Festival Colombo, Festival da Natureza, as Festas de Natal e Fim-de-ano e, a partir deste ano, o festival gastronómico SAL — que projeta a nossa identidade cultural e atrai visitantes fora da época alta, ocupando mais de um terço dos dias do ano.
O futuro dos eventos passa por três linhas: reforçar a autenticidade, aumentar a dimensão internacional e diversificar a oferta com eventos de nicho, ligados à natureza, ao desporto, à música e à gastronomia. Também estamos a investir na sustentabilidade dos eventos, com medidas de gestão de resíduos, compensação de carbono e envolvimento das comunidades locais. Um evento turístico deve ser, acima de tudo, um catalisador de experiências genuínas e sustentáveis.
Porque enfatiza a divisão entre gestão tática e gestão estratégia na gestão turística? Este é um conceito facilmente apreendido pelos gestores turísticos?
Porque é essencial compreender que o sucesso de um destino depende tanto da visão como da execução. A gestão estratégica define a direção: o que queremos ser, onde queremos chegar, que valores queremos afirmar. A gestão tática traduz essa visão em ações concretas, monitoriza resultados e ajusta o percurso.
O turismo exige uma estrutura de decisão profissionalizada, onde o pensamento estratégico antecede a ação operacional. É esse alinhamento que garante a consistência das políticas públicas e o impacto no terreno.
Como a Associação de Promoção da Madeira se pode tornar ainda mais poderosa ao nível da recolha, tratamento e monitorização de informação?
A Associação de Promoção da Madeira pode reforçar a sua capacidade de recolha, tratamento e monitorização de informação através de uma gestão cada vez mais coordenada e integrada.
O PRISMA, instrumento que está a ser desenvolvido pela Associação, já representa um avanço importante nesse sentido, ao permitir cruzar dados estatísticos, previsionais e comportamentais. O objetivo é articular a informação proveniente de diferentes fontes — desde operadores turísticos a tendências globais dos mercados de origem — e complementá-la com o trabalho do Observatório do Transporte Aéreo da Secretaria Regional de Turismo, Ambiente e Cultura, garantindo uma leitura completa e atualizada da atividade turística. Assim, a Associação afirma-se como um agente de promoção e, simultaneamente, um verdadeiro centro de informação útil ao setor, capaz de antecipar tendências e apoiar decisões estratégicas com base em dados reais e partilhados.
Ao nível da promoção turística, preveem-se algumas mudanças de paradigma para os próximos anos?
Completamente. O paradigma da promoção turística mudou — deixou de ser unidirecional. Hoje, o viajante quer envolvimento, autenticidade e propósito. O futuro da promoção passa por storytelling emocional, por microsegmentação e por comunicação humanizada, apoiada em conteúdos digitais e experiências imersivas.
Os novos públicos, sobretudo as gerações mais jovens, valorizam destinos com identidade, sustentabilidade e coerência. É esse o posicionamento que queremos afirmar: a Madeira como destino de qualidade, consciente e inspirador.
A pressão turística de um destino em desenvolvimento está a levantar problemas às entidades com responsabilidades na gestão e planeamento. Estas são dores de crescimento?
São, sobretudo, consequências de um destino em expansão.
Não podemos ver isto como um conflito entre turismo e território, mas sim como uma necessidade de planeamento integrado. Quando o turismo cresce, todo o sistema precisa de se adaptar: a gestão urbana, o transporte, os serviços públicos. Estas “dores de crescimento” são sinais de vitalidade, mas também alertas. A nossa resposta é coordenada, com planeamento urbano, políticas de ordenamento e de gestão do território alinhadas com a realidade turística.
O que na Madeira se tem feito para tentar mitigar alguns destes problemas?
Temos atuado de forma coordenada para garantir que o crescimento turístico da Madeira é harmonioso, sustentável e respeita o território e as comunidades locais.
Trabalhamos em articulação estreita com os municípios, porque acreditamos que a gestão do turismo só é eficaz quando é feita em rede, com base na realidade de cada concelho. Essa cooperação visa assegurar que o desenvolvimento turístico respeita a vivência local, os recursos naturais e o património histórico e cultural de cada zona.
A revitalização e promoção de zonas menos exploradas têm sido duas ferramentas fundamentais neste processo. Paralelamente, estamos a investir em projetos que melhoram o acesso e a fluidez dentro da Região, qualificamos os recursos humanos com formação contínua e apostamos em tecnologias que nos permitem gerir de forma mais eficiente a informação e os recursos. A inovação é, sem dúvida, um pilar da nossa preparação para o futuro.
Quanto às limitações estruturais, não podemos falar propriamente em constrangimentos, mas sim em planeamento e ordenamento. A Madeira dispõe de um Plano de Ordenamento Turístico em vigor até 2027, que define com clareza as prioridades e limites de crescimento — número de camas, tipologia de empreendimentos e áreas de desenvolvimento. Este plano, alinhado com a Estratégia Regional para o Turismo e com as tendências da procura internacional, garante que a expansão do setor se faz de forma equilibrada e sustentável. Até ao momento, a oferta existente tem respondido adequadamente às necessidades da procura, precisamente porque a Madeira não é nem pretende ser um destino de massas. O nosso objetivo é — e continuará a ser — qualificar a oferta, valorizando a autenticidade, a excelência e a experiência do visitante, sempre com respeito pelo território e pelas comunidades que o habitam.
Na privatização da TAP, o que não pode ser esquecido no que diz respeito à Madeira?
A TAP tem um papel histórico e estratégico na conectividade da Madeira.
Qualquer modelo de privatização deve respeitar esta tradição e garantir continuidade territorial, ou seja, a ligação regular e acessível entre a Madeira e o território continental. E recuperar voos diretos de origens estrangeiras que sempre foram servidas pela TAP. Não se trata apenas de voos — trata-se de acessibilidade, coesão e igualdade de oportunidades. É fundamental que o novo modelo preserve este princípio, pois a conectividade aérea é o oxigénio da economia madeirense.
O aeroporto da Madeira necessita de ser intervencionado na próxima década?
Esse é um tema que requer atenção. O aeroporto da Madeira tem limitações naturais conhecidas, e precisa de evoluir. Porém, as intervenções não têm necessariamente de ser estruturais; podem ser tecnológicas e operacionais, para aumentar a resiliência às condições meteorológicas, otimizar o tráfego e melhorar a experiência do passageiro. Mantemos uma relação de proximidade com a ANA Aeroportos e com o Governo da República para avaliar melhorias operacionais, até porque o aeroporto é a nossa principal porta de entrada — é o primeiro e o último contacto do visitante com a Madeira — e deve refletir a excelência do destino.
A parceria com os operadores portugueses, é para consolidar-se no próximo ano? De que forma?
Sem dúvida. Os operadores portugueses são parceiros históricos e estratégicos da Madeira e essa foi uma questão que ficou bem patente neste mês de outubro, no âmbito da vinda da APAVT e de alguns operadores à Região, para a celebração dos 75 anos da associação e realização da habitual reunião do Capítulo.
Pretendemos continuar a reforçar esta colaboração, não apenas nas rotas tradicionais, mas também em novos produtos e experiências de curta duração, especialmente fora da época alta.
Vamos manter a aposta em campanhas conjuntas, pacotes temáticos e novas abordagens ao turismo doméstico, que continua a ser um mercado essencial pela proximidade e fidelização.
“A liderança não se impõe, conquista-se”
Fale-nos um pouco de si…
Nasci e cresci no Funchal, na Madeira. Foram tempos marcados por uma forte ligação à família e por um ambiente de proximidade que sempre caracterizou esta terra. Fiz a minha formação superior em Lisboa, na área da Gestão de Empresas, e foi uma experiência que me fez abrir horizontes, tanto académica como pessoalmente. O meu primeiro emo foi precisamente na área da gestão, com um projeto empresarial próprio dando continuidade à atividade iniciada pelo meu pai, à qual estive ligado durante 25 anos.
A ligação ao turismo vem de muito cedo. Desde criança que viajava com os meus pais e isso despertou em mim o gosto pela descoberta — de lugares, de culturas, de pessoas. Essa curiosidade pelo mundo foi moldando a forma como olho o turismo: não apenas como uma atividade económica, mas como uma experiência humana e cultural que enriquece quem viaja e quem recebe.
Quando começa o interesse de Eduardo Jesus pela política?
O interesse pela política nasce do desejo de participar ativamente nas decisões que moldam o futuro da Madeira. Durante muitos anos estive envolvido em associações empresariais e profissionais — na Câmara de Comércio e Indústria da Madeira, na Associação Comercial e Industrial do Funchal e na Ordem dos Economistas. Foi neste último contexto, com a criação das Conferências Anuais do Turismo, que o contacto com o setor se tornou mais profundo e que se consolidou o meu interesse pela política pública nesta área.
Do que os responsáveis políticos não se devem esquecer quando defendem a causa pública?
Acredito que os responsáveis políticos nunca se devem esquecer que o serviço público é uma missão. Não se trata de marcar presença, mas de deixar resultados que melhorem a vida das pessoas.
De que forma tenta deixar um cunho pessoal neste contexto?
O meu cunho pessoal não é de vaidade, é de atitude. Procuro atuar respeitando uma visão, com rigor e coesão, com a consciência clara da missão que temos em mãos. É essa atitude de entrega e coerência que considero essencial em qualquer exercício de governação.
É ambicioso?
Nunca fui movido por uma ambição de lugares ou cargos. A minha ambição é fazer bem, contribuir para que as coisas fiquem melhores do que as encontrei.
Acredito na ambição saudável — aquela que gera impacto coletivo e deixa legado. No meu caso, traduz-se na vontade de ver a Madeira como uma referência mundial em turismo sustentável, um exemplo de equilíbrio entre desenvolvimento económico, respeito pelo território e valorização das pessoas. Essa é a ambição que me move todos os dias.
Licenciado em gestão, político, professor e escritor. Qual o maior desafio do seu percurso profissional?
Diria que tive dois grandes desafios. O primeiro foi o crescimento do meu projeto empresarial, que rapidamente se tornou líder de mercado na sua área. Gerir equipas numerosas e garantir que todos se revêm num mesmo propósito foi um enorme exercício de responsabilidade e de liderança.
O segundo desafio é o que vivo hoje, na governação. Trabalhar em prol de uma causa comum, procurando melhorar a vida de quem aqui vive e criar mais oportunidades, é um desafio permanente e inatingível no melhor dos sentidos — porque nunca se esgota. Obriga a uma entrega total, a uma motivação constante e à capacidade de transformar dificuldades em oportunidades de fazer mais e melhor.
Gosta de viajar? Qual o seu destino preferido, para além da Madeira?
Gosto muito de viajar, embora nos últimos anos a grande maioria das viagens tenha sido em contexto profissional. Mesmo assim, cada deslocação é uma oportunidade de conhecer novas realidades, aprender e observar boas práticas que possam inspirar o nosso trabalho.
Tenho a sorte de viver num dos melhores destinos turísticos do mundo, e isso por si só é um privilégio. Quando tenho oportunidade de fazer pequenas pausas, costumo aproveitar para visitar capitais europeias, beneficiando das ligações diretas que hoje a Madeira oferece. São viagens curtas, mas muito enriquecedoras pela diversidade cultural e pela energia própria de cada cidade.
“Ou eu lidero o processo e sou eu que tomo decisões ou abandono esta ideia e reajo. E quando se reage, já não somos nós a mandar”. O que é para si liderança, quais os pilares da liderança?
Liderar é ter visão, inspirar equipas e assumir responsabilidades. A liderança não se impõe; conquista-se pela coerência, pela escuta e pela capacidade de transformar ideias em resultados.
Admito que os pilares da liderança são quatro: visão, consistência, comunicação e confiança. A visão define o rumo, a consistência dá credibilidade, a comunicação assegura alinhamento e a confiança cria o elo que une uma equipa em torno de um propósito comum.
Mas, acima de tudo, a liderança é uma atitude. É marcar o ritmo, ser exemplo e agir de forma a inspirar os outros a fazerem o mesmo. O verdadeiro líder não se limita a reagir — antecipa, prepara, planeia e conduz o processo. Quando reagimos, deixamos de liderar; quando antecipamos, abrimos espaço para decidir com liberdade e clareza.
Acredito que a liderança deve ser exercida com autenticidade e sentido de responsabilidade. É um exercício de confiança mútua — entre quem lidera e quem é liderado —, sustentado na partilha de uma visão comum e na capacidade de transformar desafios em oportunidades.
Por isso, liderar é, no fundo, tomar conta do processo, traçar uma linha estratégica e ser fiel a ela, mesmo perante a incerteza. É ter a coragem de decidir, de assumir o risco e de acreditar que, ao antecipar e preparar o futuro, se está também a criar as melhores condições para o crescimento coletivo.
Por Pedro Chenrim, publicado na edição 355 da Ambitur.





















































