O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.

A adega Cartuxa, na Quinta de Valbom, está intimamente ligada à Companhia de Jesus. No ano de 1580 o padre jesuíta Pedro Silva, reitor da Universidade de Évora, adquiriu a Quinta de Valbom para alojar o corpo docente da Universidade. Mas em 1759, com a expulsão da Companhia de Jesus do país por Marquês de Pombal, a Quinta passou a integrar os bens do Estado, tendo sido, em 1776, equipada com um lagar de vinho que rapidamente ganhou importância na região. Quase como se fosse uma cooperativa aos dias de hoje. A ideia era absorver a produção de uva da região.
A proximidade deste património junto do Convento da Cartuxa (Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli) determinou que assim ficasse conhecida como adega Cartuxa. É Marquês de Pombal quando transforma este edifício num lugar de vinho que junta o nome Cartuxa, por causa da proximidade do mosteiro. Indica-nos Sérgio Frasco, supervisor de Enoturismo da adega, que nos dá a conhecer um pouco deste universo, que São Bruno foi o fundador desta ordem religiosa. Uma ordem dedicada, em traços gerais, ao isolamento, à clausura, à oração e ao voto de silêncio, curiosamente como o processo de vinificação da própria uva. Neste momento, em Portugal, já não existem monges cartuxos. Existiram até o final de 2019, ao lado da adega. Hoje já não há monges cartuxos em Portugal e são apenas 300 pelo mundo inteiro. Nesta ordem contemplativa os monges fazem dois votos: o de silêncio e de pobreza.
Mas continuando pela história de Portugal e do Alentejo… Vasco Eugénio de Almeida, em 1940, com 27 anos de idade, herda uma das maiores fortunas de Portugal, e desde cedo deixa claro ao que vem, “ele tinha uma frase muito curiosa: eu vejo a fortuna, não para usufruir dela, mas para os outros”, indica Sérgio Frasco. Em 1962, fez o seu testamento, e como não teve filhos, já ali manifestava a vontade de criar uma Fundação. O testamento foi a base para a elaboração dos estatutos da Fundação criada no ano seguinte. A Fundação Eugénio de Almeida dá azo a que a Adega Cartuxa não tenha fins lucrativos. “Ele era uma pessoa de formação cristã, um humanista. Ele, que foi o último descendente direto da família, foi casado, mas não deixou filhos. Decide deixar a sua fortuna para criar esta Fundação, com o objetivo bastante claro, de ajudar quem mais precisa aqui na região”, acrescenta o nosso guia.
A Fundação Eugénio de Almeida desde essa altura tem no entanto desenvolvido outras áreas de atividade, não só o vinho. Hoje conta com produção de azeite, extração de cortiça, criação de gado, produção de amêndoas, produção de cereais, entre muitas outras. E os lucros que daí advêm são reaplicados de duas formas diferentes, uma parte dos lucros no seu dia-a-dia, em inovação, tecnologia, pagamento de salários e manutenção de boas relações com fornecedores; enquanto que outra parte dos lucro, é aplicada no desenvolvimento social, cultural, educativo e espiritual da região de Évora.
A adega Cartuxa, na Quinta de Valbom, foi o centro de produção vitivinícola da Fundação Eugénio Almeida até 2006. Neste ano, construíram um novo centro de produção, mais avançado tecnologicamente, sendo este espaço “desde então um dos nossos pólos turísticos, ou seja, um depósito em que as pessoas vêm para conhecer o que é que está por trás da adega Cartuxa. E também acaba por funcionar como centro de estágios de alguns dos nossos melhores vinhos. Entre eles, o mítico Pêra-Manca”, acrescenta o responsável. Neste espaço alojam-se ainda hoje 28 túneis em carvalho francês, de 5 mil e 3 mil litros. Na produção dos seus vinhos trabalha-se sempre, com raras exceções, com um estágio monovarietal. Ou seja, só depois do estágio de cada casta se determina qual a mistura que irá prevalecer sobre os seus novos vinhos. “Depois o enólogo com os testes que faz, é que vai decidir, baseado nesta evolução, usar esta casta que aqui está, nesta marca de vinhos, nesta percentagem. É assim que nós trabalhamos aqui, basicamente”, acrescenta o responsável.
O espaço está aberto todos os dias do ano, com excepção no Natal e Ano Novo, mas é sugerida marcação prévia para a sua visita. Refere Sérgio Frasco, “porque as visitas são sempre sobre disponibilidade. Estamos sempre cheios. Quase sempre cheios. Portanto, sugerimos marcação prévia. Assim que souberem que querem vir, quantas pessoas chegam, o horário, liguem para cá, mandem e-mail para cá, para fazer uma marcação”. Existem quatro horários por dia, às 10.30h, 11.30h, 15h e 16.30h, com visitas em dois idiomas, em português e em inglês. Acrescenta o responsável que a visita é sempre a mesma, depois o preço varia consoante a prova de vinhos no final. As visitas vão dos 15 aos 60 euros, sendo que as provas de vinho excluem sempre o Pêra-Manca.
Na visita pode-se observar o edifício secular, a evolução técnica da produção de vinho, conhecer os vinhos da Adega Cartuxa e histórias que marcam esta região.
O Pêra-Manca de Vasco da Gama
O Pêra-Manca, produzido pela adega, é um dos vinhos mais caros do mercado devido à sua produção exclusiva, tempo de envelhecimento e qualidade superior, combinada com uma estratégia de marketing que enfatiza seu status como um vinho de prestígio. Mas qual a história do seu nome? As origens desse nome já remontam há mais de 500 anos atrás, explica-nos o nosso guia, por exemplo, era o vinho que o Pedro Álvares Cabral levava nos barcos quando chegou ao Brasil por via marítima em 1500. Ele chegou a terras de Vera Cruz com aquele vinho para selar o contrato com quem lá estava, no que agora é o Brasil. Pêra-Manca significa pedra manca, pedra solta ou pedra dançante. “E porquê que o vinho tem esse nome? Porque antigamente, no século XV, século XVI, toda esta região de Évora era conhecida como a zona dos vinhos Pêra-Manca. Por várias razões, mas a principal tem a ver com umas rochas únicas que existem aqui nesta região. Que são as rochas graníticas, redondas, em cima de outras rochas. Só que como elas são redondas, elas aparentam não assentar lá muito bem, porque são muito grandes, só que é uma ilusão. Uma ilusão em que estão sempre dançar”, acrescenta. Mas atenção, que o vinho produzido nessa altura não tem nada a ver com o que é hoje. Esse vinho na altura era feito a granel, nem sequer era engarrafado, muito menos. Então, quem começa a produzir o vinho mais tarde, a dar origem ao hoje conhecido como Pêra-Manca são os monges do convento de Espinheiro. Só que como era uma produção muito cara, o que é que os monges fizeram? Passaram a produção para os poderes do rei. Que era quem tinha o poder económico na altura. Mais tarde, quem pega na produção do vinho, foi uma casa de Évora, Casa Agrícola Soares. “Só que o que é que aconteceu? Como sabem, no século XIX, foi um bocadinho difícil para quem trabalhava no vinho. Crise filoxera na Europa. Tudo que era vinho foi dizimado por essa praga. Não foi tudo, mas mais de 99% do vinhedo existente na Europa. E aqui a Casa Soares também ficou afetada. Foi fazendo cada vez menos vinho, até ser literalmente extinta com a morte do seu dono na altura, em 1920. Só que o sucessor da Casa Soares era uma pessoa muito próxima, muito amiga da Fundação. Então, o que é que ele fez? Em 1987, passou a patente do uso do nome de Pêra-Manca, ou da produção de vinho, se quiserem, para a Fundação Eugénio de Almeida. Portanto, a nossa primeira edição deste vinho é da colheita de 1990”, complementa o responsável.
Ou seja, “Pêra-Manca tem que ser a nossa marca do topo, no caso do tinto fomos mais longe. Decidimos, por tudo isto, toda a história também, com o nome que tem por trás, não fazer todos os anos. Ou seja, é só feito nos anos em que nós achamos que as castas têm aquela qualidade superior à que procuramos. Sempre uma produção pequena. Em média, 25 mil garrafas por ano de colheita. Às vezes passa um bocado, outras vezes não chega a tanto. Mas de 25 a 30 mil, andará por aí a média, o que é manifestamente pouco para a procura que ele tem. Sim. E a nossa última produção desse vinho foi em 2018. Foi o último que nós fizemos. Esse vinho tem seis anos de maturação, vamos chamá-lo assim, estágio tanto em garrafa como em madeira. Está seis anos a ser preparado, só depois é que sai para o mercado. Portanto, ele saiu para o mercado em outubro de 2024”, acrescenta o entrevistado.
Mas o Pêra-Manca também se destaca pelas castas, sendo que no branco são usadas o Antão Vaz e o Arinto e no tinto Aragonês com Trincadeira, sendo o que muda de uma produção para a outra é a percentagem de cada uma delas. “Aqui temos tudo identificado por talhões ou por parcelas de vinha e temos identificado quais são as nossas melhores e é dali exclusivamente que vêm as castas para fazer o Pêra-Manca. Por exemplo, temos dois/três talhões para produzir o tinto. São dois talhões de Aragonês e um de Trincadeira. Estão localizados aqui a uns 10 quilómetros onde nós estamos, mais ou menos. Talhões com 40, 45 anos de idade. Mais ou menos isso”, indica o interlocutor.
Em Setembro há vindimas na Cartuxa
Continuando pelo edifício do século XVI entramos na área já construída em XIX, ou seja, já foi mandada construir pela família, Eugénio de Almeida, conhecendo a sua arquitetura e os seus recantos. O mosteiro não é visitável, pois neste momento alberga uma ordem religiosa feminina. Vai-nos indicar Sérgio Frasco, que “aqui é a parte antiga de produção, propriamente dita”. Por trás das paredes existem depósitos de vinho feitos em cimento, de 32 mil litros, que hoje são utilizados como armazéns temporários “do que nos fizer falta, ou vinho branco ou vinho tinto”. Também é dali que sai o néctar para a venda anual de vinho que fazem à população, uma vez por ano. “É feita aqui na lateral do edifício, que é a venda de vinho a garrafão, ou a venda de vinho a granel. Basicamente as primeiras produções do ano são dedicadas àquela venda. Não é nenhuma marca de vinhos, é um vinho feito para a ocasião. E porquê? Porque quem cria toda a Fundação, deixou escrito que toda a gente deve ter acesso aos vinhos desta. Temos de fazer aqui um vinho mais acessível a todos. Então cria-se esta venda a um preço simbólico. Posso dizer que hoje está a três euros, tanto branco como tinto, em que as pessoas vêm de casa, com os garrafões, e nós os encheremos. E esse vinho normalmente está guardado aqui. É uma venda que acontece em fevereiro, sempre encostada ao Carnaval. E é uma venda que posso vos dizer que este ano, falei com várias pessoas que vieram a este vinho, só para terem uma ideia da abrangência da venda, falei com pessoas de Penafiel, do Porto, de Faro, de Coimbra. E depende do que tenhamos disponível”, acrescenta o responsável.
Pelo edifício ainda se pode ver antigos fermentadores de vinho tinto, ânforas argelinas, também conhecidas como autovinificadores de vinhos – eram as ânforas que sozinhas, sem intervenção por parte do homem, que fazia todo o processo de fermentação do vinho – talhas de 1875, um “cofre-forte” com uma amostra da sua garrafeira, entre outros.
Um dos novos projetos da Adega Cartuxa, aproveitando este espaço foi criar lagares, para permitir que quem os visita na altura da vindima, possa fazer a pisa. “Começámos há dois anos com este projeto. Tivemos um feedback tão positivo que no ano passado continuamos. E este ano vamos prosseguir”, indica o responsável acrescentando que poderá ser possível este ano os visitantes irem também às vinhas para ver a diferença efetiva nas castas que têm plantadas, da grainha, polpa… Ou seja, ver na prática o que é que faz as castas diferentes umas das outras. Um projeto que se estenderá à pisa em que é oferecido todo o kit necessário, desde o chapéu de sol “para andar lá fora com 40 graus, que não é fácil”, pólo, calção, chinelo, tudo incluído. A acabar uma prova harmonizada com muitos vinhos, com comida típica da região, à base dos frios, de porco preto, de chouriço de porco preto, de queijos de ovelha e de cabra. Fica o convite para quem quiser uma experiência única e diferente, ainda com a possibilidade de acrescentar um almoço ou jantar no seu restaurante.
A visita acaba com uma experiência imersiva, onde se pode ter acesso às valências da adega, o que é possível visitar do que faz parte da Fundação, desde a coleção de carruagens, ao centro de arte e cultura, ao pátio de São Miguel, entre outros, para além de se conhecer um pouco sobre a sua produção de azeite e produção de vinho.
As visitas são acompanhadas sempre com som de fundo, gravado num mosteiro com monges cartuxos, e antes das provas de vinhos resta ao visitante atravessar um corredor que recria o aroma de cinco das castas muito usadas não só no Alentejo como na Fundação. “Basicamente, a ideia é levar ao extremo cada casta, o aroma de cada uma, para depois percebermos a diferença entre elas. Por exemplo, esta Aragonês, é a casta mais plantada em Portugal. Ou seja, é a casta de excelência da Península Ibérica. É uma casta que usamos em muitos, muitos dos nossos vinhos tintos”, finaliza o responsável. Fica o convite para descobrir as restantes castas e os aromas de todas.






















































