A CEO e cofundadora da Biosphere Portugal, Patrícia Araújo, esteve à conversa com a Ambitur e conta-nos de que forma a empresa que lidera procura fazer a diferença no setor turístico. Desde 2010 que a Biosphere Portugal ajuda a fazer do turismo um setor que respeita, educa e cuida, garante a empresária. Olhando para trás, admite que o maior desafio terá sido despertar nos players do setor uma verdadeira consciência sobre o valor estratégico da sustentabilidade. E assume que “cada passo dado está a semear algo maior, mas sobretudo melhor”. Leia agora a 2ª parte desta Grande Entrevista, que pode ser lida na íntegra na nossa edição 353.
Que critérios são utilizados para certificar destinos ou empresas como sustentáveis pela Biosphere?
Antes demais permita-me a correção: não há nem destinos nem empresas sustentáveis, há destinos e empresas que se certificam para comprovar para procuram ser mais sustentáveis, que se esforçam para terem um desempenho mais sustentável, a todos os níveis.
Utilizamos uma metodologia baseada nos 17 ODS, desdobrados em mais de 400 propostas de ação, adaptados a cada realidade. A certificação avalia áreas como governança, eficiência de recursos, impacto social, proteção ambiental, experiência do visitante e cadeia de valor. A personalização do plano de sustentabilidade é uma das nossas maiores mais-valias. A nossa proposta não é só para as grandes empresas, ou para aquelas que estão mais estruturadas, pode e é para centenas de pequenas empresas. Na sustentabilidade a relevância não é a dimensão, mas a visão e a vontade de a cada dia fazer melhor.
Na sustentabilidade a relevância não é a dimensão, mas a visão e a vontade de a cada dia fazer melhor.
Pode partilhar alguns exemplos concretos de impacto positivo gerado por projetos certificados pela Biosphere?
Seria injusto da minha parte destacar casos individuais, porque o verdadeiro impacto nasce, antes de mais, da visão de quem lidera os projetos – sejam eles destinos, empresas ou associações locais. A certificação Biosphere é uma ferramenta, um estímulo, um método e uma forma de atestar, acompanhar ou dar mais ambição a essa visão, mas não é, por si só, a responsável pela transformação.
O nosso papel é ajudar a estruturar essa ambição sustentável, a dar-lhe métricas, consistência e um caminho claro. E sim, temos visto projetos incríveis a acontecer. Os territórios que integram a comunidade Biosphere estão hoje seguramente a atrair fluxos turísticos mais conscientes, a implementar políticas e práticas de economia circular mais inteligentes, a reforçar a gestão ambiental e a criar novas formas de relação com as comunidades locais.
Mas há algo muito importante que é preciso dizer, e que muitas vezes é difícil de aceitar no ritmo da gestão acelerada que todos vivemos: o verdadeiro impacto da sustentabilidade demora. Há resultados que se podem medir num ano – como a redução do consumo de recursos, a diminuição de emissões ou o aumento da satisfação dos residentes e visitantes e que pode ser conjuntural – mas a transformação estrutural de um destino ou de uma empresa leva tempo. E é preciso dar-lhe esse tempo.
Os projetos que iniciaram este caminho há três ou quatro anos estão agora a começar a perceber o alcance das mudanças.
Os projetos que iniciaram este caminho há três ou quatro anos estão agora a começar a perceber o alcance das mudanças. A forma como se posicionam, como se organizam internamente, como são percebidos pelos seus públicos… tudo isso se transforma de forma profunda, mas progressiva.
Portanto, quando me perguntam pelos exemplos concretos de impacto, eu gosto de responder com honestidade: sim, há muitos sinais positivos, mas o impacto verdadeiro – aquele que muda a cultura organizacional, que consolida novas práticas e que gera legado – precisa de paciência, consistência e compromisso a longo prazo.
Qual é o processo que uma empresa ou destino turístico tem de seguir para obter a certificação Biosphere?
Primeiro, tem de ter vontade real. Depois confiar no processo, aceitar que terá as suas imperfeições e fazer-nos também acreditar que a Visão está lá. De seguida vem a parte mais simples, mais instrumental: começamos por estabelecer um acordo de compromisso, onde a empresa ou o Destino declara e reconhece as mais-valias do processo. Depois passamos ao diagnóstico inicial de sustentabilidade, seguido do plano de ação alinhado com os ODS, com a estratégia da empresa/Destino e suas prioridades e com metas concretas associadas. O processo é acompanhado com capacitação, partilha de ferramentas digitais e suporte técnico contínuo. Após a fase de implementação, é realizada a auditoria externa para atribuição da certificação. O espaço temporal entre o lançamento do processo e a auditoria é ditado pela empresa/Destino. Costumamos dizer que andamos ao ritmo dos nossos parceiros, esta é uma dança a dois, em que cada um tem de fazer a sua parte.
Como garantem que os compromissos assumidos pelas entidades certificadas são cumpridos a longo prazo?
Na Biosphere, acreditamos que a certificação não é um ponto de chegada, é uma etapa de caminho contínuo. Por isso, o nosso modelo de certificação não se baseia numa avaliação única, mas sim num ciclo de melhoria contínua. A certificação é anual e exige, todos os anos, que a entidade mostre progresso real face aos compromissos que assumiu.
Trabalhamos com uma combinação de indicadores quantitativos e qualitativos, sempre adaptados à realidade específica de cada empresa ou destino. Estes indicadores permitem-nos medir o que está a ser feito, onde estão os avanços e onde ainda há trabalho a desenvolver. E usamos uma plataforma digital que torna todo este processo mais transparente, mais organizado e acessível em tempo real – para nós, para a entidade certificada e para os seus stakeholders.
Mas mais do que fiscalização, o que promovemos é compromisso. Acreditamos que quem entra neste processo o faz por acreditar no valor estratégico da sustentabilidade. E o nosso trabalho é acompanhar, apoiar e desafiar – com confiança, parceria, trabalho conjunto, mas também com exigência. Porque sabemos que gerir com sustentabilidade exige escolhas difíceis, mudanças estruturais e, muitas vezes, sair da zona de conforto. Mas também sabemos, pela experiência de quem já está neste caminho há uma década e meia, que esse esforço compensa – na solidez do negócio, na reputação da marca e na relação com as comunidades e o território.
A certificação é anual e exige, todos os anos, que a entidade mostre progresso real face aos compromissos que assumiu.
Como é que a Biosphere se distingue de outras certificações ou selos de turismo sustentável?
A principal diferença da Biosphere está, sem dúvida, na forma como abordamos a sustentabilidade: com realismo, com progressividade e com profunda adaptação ao contexto de cada entidade – seja uma pequena empresa familiar ou um destino turístico com milhares de visitantes. A nossa metodologia assenta numa lógica evolutiva, onde cada passo é ajustado às capacidades e ambições de quem está do outro lado.
Sim, temos uma base tecnológica robusta, indicadores sólidos, e sim, cumprimos critérios internacionais exigentes. Mas o que realmente nos distingue – e quem trabalha connosco sabe isso – é a forma como nos relacionamos. Não somos apenas uma entidade certificadora. Somos um parceiro. Na Biosphere, fazemos questão de estar presentes, de acompanhar, de ouvir. Sabemos que nem sempre é fácil implementar mudanças estruturais ou mobilizar equipas em torno de uma nova cultura de gestão. Por isso, colocamos as pessoas no centro. Oferecemos apoio mesmo quando não está previsto no contrato, ajustamos abordagens quando as circunstâncias mudam, apresentamos alternativas e nunca deixamos uma pergunta sem resposta.
Valorizamos o rigor, mas valorizamos ainda mais o vínculo de confiança. E isso faz toda a diferença. Porque quem está a liderar um processo de transformação precisa de mais do que checklists – precisa de suporte, de empatia, de colaboração verdadeira e de estar presente nos bons momentos e nos menos positivos. Lembro-me que quando entrámos em confinamento na crise Covid 19, nessa semana começámos a lançar as primeiras orientações e guias de sustentabilidade sanitária, fizemos muitas dezenas de sessões on line nos primeiros meses, workshops informativos, sessões de capacitação sobre marketing responsável. E a verdade é que passado esse momento extremamente complicado, foram muitas as empresas que nos transmitiram que se sentiram altamente apoiadas e que seguindo as nossas recomendações conseguiram resultados nunca esperados num momento como o que vivíamos. E penso que é isso que a Biosphere representa, um parceiro de negócio com quem as empresas e destinos podem contar.
No fundo, o nosso propósito é ajudar os nossos parceiros a alcançar os seus – com exigência, mas também com profundo respeito pelo ecossistema humano e natural.
De que forma a Biosphere está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas?
Na Biosphere, os ODS não são apenas uma referência, são a estrutura base de todo o nosso modelo de certificação. Cada plano de sustentabilidade desenvolvido com empresas ou destinos é construído com metas concretas que convergem diretamente com as metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. E mais do que alinhamento, exigimos presença real: nenhum processo de certificação é validado sem que haja ações tangíveis em cada um dos ODS.
Este compromisso está presente desde o início. A Biosphere foi, de facto, o primeiro referencial de turismo sustentável a adotar formalmente os ODS como matriz de trabalho e a integrá-los de forma transversal nos seus critérios. Mas dizê-lo não é uma questão de protagonismo – é uma questão de responsabilidade. Sabemos que o setor do turismo tem um papel fundamental a desempenhar na concretização da Agenda 2030, e o nosso contributo é ajudar a operacionalizar essa ambição de forma prática, transparente e contínua.
Trabalham com governos ou organizações internacionais? Que tipo de parcerias consideram essenciais?
Sim, trabalhamos de forma próxima com municípios, entidades regionais de turismo, universidades e associações empresariais, tanto em Portugal como em contexto europeu e internacional. Acreditamos que a sustentabilidade só se torna real quando é feita em rede – por isso, as parcerias são para nós essenciais, sobretudo quando o objetivo é gerar mudanças em escala e com impacto duradouro.
Valorizamos parcerias com entidades públicas e privadas que partilhem a nossa visão e o nosso compromisso com resultados mensuráveis. Mas também trabalhamos, com igual dedicação, com organizações que ainda estão a dar os primeiros passos nesta área, desde que tenham abertura e vontade genuína de aprender e evoluir. Acreditamos que todos os parceiros, independentemente do ponto de partida, têm um papel relevante a desempenhar.
Geograficamente, temos uma presença mais forte no norte, centro, Alentejo e Lisboa e Vale do Tejo, mas colaboramos em todo o território nacional. A nível europeu, trabalhamos com parceiros na Finlândia, Dinamarca, Suécia, Grécia, Irlanda, Hungria, Croácia, Eslovénia e Espanha, em projetos de cooperação e capacitação para o turismo sustentável. Internacionalmente, mantemos relações de trabalho com entidades e projetos em Cabo Verde, Brasil, Moçambique, Argentina e Canadá.
Para nós, uma parceria essencial é aquela que está disposta a construir soluções conjuntas, a medir impacto e a garantir que a sustentabilidade não fica apenas no discurso, mas passa para a prática, com resultados tangíveis e partilhados. É importante reconhecer que criar e cuidar destas parcerias dá muito trabalho. Exige compreensão mútua, respeito pelas diferenças culturais e de contexto, e uma grande capacidade de escuta. Mas o que temos aprendido é que, quando a colaboração é verdadeira, o resultado compensa sempre. Compensa pelo impacto que conseguimos gerar juntos, e compensa pelas relações humanas e profissionais e aprendizagens que vamos construindo ao longo do caminho.
Por Inês Gromicho
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