A CEO e cofundadora da Biosphere Portugal, Patrícia Araújo, esteve à conversa com a Ambitur e conta-nos de que forma a empresa que lidera procura fazer a diferença no setor turístico. Desde 2010 que a Biosphere Portugal ajuda a fazer do turismo um setor que respeita, educa e cuida, garante a empresária. Olhando para trás, admite que o maior desafio terá sido despertar nos players do setor uma verdadeira consciência sobre o valor estratégico da sustentabilidade. E assume que “cada passo dado está a semear algo maior, mas sobretudo melhor”. Leia aqui a 3ª e última parte desta Grande Entrevista, que pode ser lida na íntegra na nossa edição 353.
Que tendências emergentes vê no turismo sustentável para os próximos anos?
Além do contexto real de incerteza, que se vai manter e é nele que temos de aprender a navegar, vejo várias tendências a consolidarem-se, mas há três que, no curto e médio prazo, acredito que vão marcar fortemente o setor. A Digitalização da gestão da sustentabilidade. Não é só o marketing do turismo que está a digitalizar-se – é também a gestão interna da sustentabilidade. Cada vez mais, as empresas e os destinos vão ter que usar plataformas e ferramentas digitais para monitorizar os seus indicadores ambientais, sociais e económicos em tempo real. Isso permite uma gestão mais eficaz e transparente, e uma comunicação mais credível para quem visita e para quem investe. Os tempos em que a sustentabilidade se baseava apenas em boas intenções e relatórios anuais estão a acabar – hoje é preciso dados, dashboards e decisões baseadas em evidência. Depois a Personalização da experiência turística com impacto positivo, o viajante do futuro (e já de hoje) procura mais do que experiências passivas. Quer participar, quer aprender, quer deixar um contributo positivo nos lugares por onde passa. Isto vai obrigar os destinos e operadores a repensar de forma dinâmica os seus produtos turísticos, mais contacto com a comunidade local, mais envolvimento em causas ambientais e sociais. O turista quer sentir-se parte do ecossistema social e natural e não apenas um visitante passageiro. Esta tendência obriga a um redesenho das experiências turísticas e a uma nova narrativa de comunicação, criará mais pressão sobre as empresas, mais desgaste numa procura constantes por inovação e design de serviço. Finalmente a terceira tendência em afirmação e intimamente ligada com as anteriores, o aumento da procura por destinos com políticas de sustentabilidade verificadas e sentidas.
Os tempos em que a sustentabilidade se baseava apenas em boas intenções e relatórios anuais estão a acabar – hoje é preciso dados, dashboards e decisões baseadas em evidência.
A consciência dos consumidores e dos investidores está a subir. Já não basta ter um selo ou uma menção à sustentabilidade num site. O público quer perceber o que está realmente a ser feito, sentir que a sustentabilidade tem expressão prática e impacto local. Os Destinos que não integrarem a sustentabilidade na sua governação e que não demonstrem resultados concretos vão perder competitividade, quer no mercado turístico, quer na captação de investimentos. Esta pressão vem dos consumidores mais informados e exigentes, mas também dos investidores institucionais e privados, que cada vez mais integram critérios ESG nas suas decisões. Estas tendências não me parece que sejam modas passageiras. São sinais claros de mudança estrutural neste setor, mas também nos outros setores económicos se sente esta mudança, por isso digo que não é apenas uma moda. E quem não se começar a preparar agora, corre o risco de ficar fora dos mercados mais dinâmicos e conscientes.
Que papel acha que a tecnologia pode desempenhar na promoção do turismo sustentável?
Confesso que não sou especialista em tecnologia nem em ferramentas digitais, mas hoje já não consigo imaginar o nosso trabalho sem elas. A tecnologia tornou-se um aliado absolutamente central para quem quer gerir a sustentabilidade de forma séria e consistente.
Em primeiro lugar, permite-nos aceder a dados e informação de forma rápida. Depois medir e monitorizar. Antes, muitas destas questões baseavam-se em perceções ou boas práticas pouco documentadas. Agora temos dashboards que nos mostram, em tempo real, o consumo de recursos, o envolvimento das comunidades, ou o impacto económico local. Esta capacidade de ter dados fiáveis e atualizados transforma completamente a forma como podemos tomar decisões e orientar a estratégia.
Depois, a tecnologia ajuda-nos a analisar melhor esses dados. Se inteligência artificial, por exemplo, já permite identificar padrões de comportamento, prever tendências de procura e antecipar riscos ambientais ou sociais, ajudando a que os destinos e as empresas atuem de forma mais proativa, porque não usá-la de forma mais intensiva e menos preconceituosa?
E, por fim, há um lado muito interessante que é o da experiência do visitante. A tecnologia pode ajudar a tornar a sustentabilidade mais próxima, mais interativa e mais participada. Através de apps, gamificação ou realidade aumentada, podemos envolver os turistas em desafios ambientais locais, mostrar-lhes o impacto positivo das suas escolhas e criar experiências mais memoráveis e transformadoras.
No fundo, a tecnologia não substitui a visão nem o compromisso humano, mas pode e deve amplificá-los. Ajuda-nos a fazer melhor, com mais transparência e mais eficácia. E quem quer gerir sustentabilidade sem tecnologia está a limitar muito o seu potencial de impacto. MAS, seria ingénuo pensar que a tecnologia é só solução. Há riscos claros. O primeiro é o da ilusão dos números: medir muito não significa necessariamente compreender melhor. Se não soubermos interpretar e contextualizar os dados, corremos o risco de criar relatórios bonitos mas vazios de impacto real.
O segundo é o da desigualdade: nem todos os territórios ou empresas têm acesso aos mesmos recursos tecnológicos, e isso pode acentuar desigualdades entre quem tem capacidade de digitalização e quem não tem. O terceiro risco, talvez mais subtil, é o de nos afastarmos do essencial: o turismo é feito de pessoas para pessoas, de emoções e de relações. A tecnologia deve servir este propósito humano, e não o contrário.
Portanto, sim, a tecnologia é fundamental, mas tem que ser usada com equilíbrio, ética e sentido crítico. É uma ferramenta que amplia a nossa capacidade de fazer bem, pode ser um bom copiloto, mas a responsabilidade continua a ser, sempre, nossa.
A tecnologia tornou-se um aliado absolutamente central para quem quer gerir a sustentabilidade de forma séria e consistente.
Como vê o futuro da Biosphere nos próximos cinco a 10 anos?
Gostaria que, daqui a cinco a 10 anos, a Biosphere fosse reconhecida como uma referência europeia em inteligência e gestão da sustentabilidade no turismo. Não apenas como uma entidade certificadora, mas como uma plataforma integradora de boas práticas, inovação e, acima de tudo, ação concreta. Vejo-nos a expandir a nossa atuação para áreas onde, hoje, ainda não temos uma presença tão forte, como a restauração e a organização de eventos, setores que terão um papel cada vez mais relevante na cadeia de valor do turismo sustentável.
Em termos de cooperação internacional, e agora centrando mais na Biosphere Portugal gostava muito que conseguíssemos contribuir mais ativamente para a formação e capacitação, nomeadamente através do sistema de ensino, onde há ainda um longo caminho a percorrer no que toca à integração da sustentabilidade no turismo como competência prática e estratégica.
Outra ambição importante é reforçar o nosso papel no apoio a geografias e territórios e empresas onde a sustentabilidade ainda está a dar os primeiros passos. Gostaríamos de colaborar, numa lógica de responsabilidade corporativa e social, com empresas e destinos em contextos menos desenvolvidos, ajudando a criar bases sólidas de crescimento sustentável, inclusivo e justo. Por isso, mais do que ser uma referência ou uma marca, queremos também ser parte da mudança e fazer parte dos que concretizam, dos que colocam as ideias em prática e que ajudam outras organizações a fazerem o mesmo, num caminho de colaboração e partilha de conhecimento.
Claro que tudo isto será sempre um processo em construção, porque a sustentabilidade, tal como a gestão, nunca está acabada. Mas mais uma vez, acredito que, passo a passo, podemos deixar um contributo relevante e inspirar outros a fazer o mesmo.
Mas o verdadeiro primeiro passo não custa dinheiro – custa vontade. E essa vontade faz toda a diferença.
Que conselhos daria a empresas ou destinos turísticos que querem começar o caminho da sustentabilidade?
O primeiro conselho é simples: que nos contactem! Se quiserem, deixo já o meu número direto… (risos).
Agora mais a sério: comecem por onde estão e com os recursos que têm. Não precisam de esperar por condições ideais.
Façam um diagnóstico honesto, definam metas realistas e, sobretudo, envolvam as pessoas – ouçam mais, decidam juntos. Sustentabilidade não é um extra, é gestão estratégica com impacto.
E não se esqueçam: medir é essencial para transformar. Mas o verdadeiro primeiro passo não custa dinheiro – custa vontade. E essa vontade faz toda a diferença.
Qual é a sua visão ideal para o setor do turismo em 2030?
Sou daquelas pessoas que tende a ver o copo meio cheio e que acredita, por isso tenho uma visão mais otimista do que catastrófica.
Imagino um setor um bocadinho mais consciente, mais responsável e mais equilibrado, que gera valor não só para quem visita, mas também para quem vive nos territórios e para o ambiente que sustenta toda a atividade. Vejo redes colaborativas de destinos sustentáveis, sistemas digitais que monitorizam em tempo real o impacto da atividade turística e, acima de tudo, desejo uma nova geração de líderes empresariais e públicos que entendem a sustentabilidade como o centro da estratégia e não como um apêndice opcional.
Agora… saindo do sonho e entrando na realidade prática. Acredito que vamos ter mais empresas envolvidas nestes processos, a gerar mais eficiência coletiva e maior força de tração nos destinos e territórios. Porque, a bem ou a mal, todos vão ter de avançar. Basta olhar para os regulamentos europeus, as novas exigências verdes no acesso a financiamento, ou as condições para manter equipas motivadas e estáveis. Tudo isto cria uma pressão clara para mudar. Se não for por vontade própria, será por pressão externa.
E se ainda assim não for evidente, basta olhar para a realidade: as alterações climáticas, as temperaturas a aumentar, as ondas de calor que já nos impedem de sair de casa durante dias seguidos. Se isto não nos desperta, então teremos mesmo de recorrer ao discurso mais catastrófico: se o desconforto e o medo pelo futuro não forem suficientes para nos acordar da dormência do negacionismo do óbvio e da velha máxima do poker do ‘pagar para ver’, então talvez nada o consiga.
Mas prefiro acreditar que ainda vamos a tempo de agir e que o turismo pode, deve, e já é parte da solução.
Por Inês Gromicho
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