José Santos, o presidente da Entidade Regional do Turismo do Alentejo, recebeu a ambitur.pt na sede da Entidade em Évora, para uma conversa que visou dar a conhecer o seu percurso pessoal e profissional ((I) “O Alentejo é uma região que é preciso conhecer, é preciso conhecer devagar”), mas não só. Neste segundo bloco da entrevista iniciamos a análise ao desenvolvimento do turismo na região e a alguns dos seus desafios. “Quase” sem se dar por ele, o desenvolvimento, hoje a região dá cartas no turismo nacional e internacional, alcançando índices de receita média por quarto que o colocam no pódio nacional. Reforça José Santos que “o Alentejo é hoje o destino com o maior potencial turístico do país, e há um denominador comum, que é a qualidade”. No entanto, com o seu pragmatismo, deixa o aviso: “No turismo, contrariamente aquilo que às vezes podemos pensar, nem tudo está adquirido”. Esta é a nova dinâmica do Turismo do Alentejo, que é o destino do mês na Ambitur.pt.
Dizemos sempre que o Alentejo tem uma identidade muito própria, mas a verdade é que esta se tem alterado, tem evoluído… Como se define hoje a identidade do destino, tendo em conta o desenvolvimento de uma multiplicidade de novos produtos e a melhoria dos tradicionais?
Costumo sempre dizer que, em 2010, o Alentejo tinha menos camas do que a freguesia de Fátima e que o Alentejo, durante a primeira década, enfim, diríamos que de 1989 até ao final do século XX, era um destino muito ancorado na cultura, no turismo cultural – claro que a classificação de Évora como Património da Humanidade em 1986 foi um bocadinho o ignitor do turismo na região -, já havia a comissão de Troia, que era mais associada, ainda que esteja localizada no Alentejo, a Setúbal, e tinha pequenos polos turísticos como o triângulo Marvão, Castelo de Vide e Portalegre, mas tínhamos um turismo muito incipiente.
O Alentejo, entre 2011 e 2023, é a região turística do país que apresenta uma taxa de crescimento média, anual, maior, quer na oferta quer na procura. Claro que partimos de uma base mais baixa do que outros destinos nacionais, mas é muito interessante verificar que fomos a região que mais cresceu todos os anos, do lado da oferta e do lado da procura. Até com taxas superiores à média nacional. E a região diversificou o seu produto turístico. Temos uma oferta que está muito ancorada numa imagem de qualidade, numa imagem “premium”. O Alentejo, enfim, procuro sempre estudar os vários indicadores estatísticos e indicadores de desempenho da hotelaria, tem o terceiro ADR (rendimento médio por quarto ocupado) mais alto do país, logo a seguir ao Algarve e a Lisboa; e no mês de agosto temos mesmo o ADR superior a Lisboa.
O Alentejo criou uma imagem, uma identidade turística de destino de muita qualidade, mais qualidade do que quantidade, é verdade. Já temos 28 mil camas e agora vamos crescer mais rapidamente na oferta e temos este desafio grande para o futuro.
O Alentejo criou uma imagem, uma identidade turística de destino de muita qualidade, mais qualidade do que quantidade, é verdade.
Esse é um dos grandes desafios turísticos da região…
Nós crescíamos mais na procura do que na oferta, agora vamos enfrentar um grande desafio, que nos vai exigir um esforço de promoção mais significativo: é que tendencialmente a oferta vai começar a crescer mais do que a procura, porque todos os projetos que estavam em pipeline, não só no litoral, mas especialmente no litoral, vão entrar em operação comercial, nós, para mantermos um bom nível de crescimento de taxa de ocupação, vamos ter que fazer maior promoção, vamos ter que trazer mais mercado internacional para a região.
Portanto, hoje o Alentejo é uma região charmosa, é uma região muito aspiracional, é uma região que tem muita qualidade, é uma região que cruza uma dimensão de praias de qualidade no interior – as nossas oito estações náuticas -, com as praias do litoral, com o glamour do eixo de Troia/Comporta/Melides, até um litoral mais selvagem, mas também com projetos de muita qualidade nos concelhos de Sines, que está com uma dinâmica turística incrível e Odemira; e depois temos o eixo de interior, já não só polarizado em Évora, com ofertas turísticas que se vão distribuindo muito à volta do enoturismo, obviamente com a gastronomia como uma dimensão inseparável. O enoturismo é um grande porta-estandarte do nosso turismo. Depois com ofertas muito ligadas ao turismo outdoor, seja no autocaravanismo, seja no cycling, seja nas caminhadas, seja depois em produtos de nicho que trabalham muito o património, a natureza, como o Dark Sky. O Alentejo é hoje o destino com o maior potencial turístico do país e há um denominador comum que é a qualidade. Hoje qualquer investidor que venha a falar connosco, não vale a pena pensar em algo que não seja premium, não é isso que o cliente vê.
Poderá dizer-se que o Alentejo está a afunilar muito o seu produto para um segmento médio alto/alto, eventualmente está. Temos produtos turísticos diversificados, que também são produtos que estão à disposição e que estão ao alcance de um segmento médio português e médio internacional, é verdade, mas não é isso que alavanca o destino, não é isso que posiciona o destino. E hoje, o Alentejo caminha… Estava a comentar consigo, que hoje estive com um promotor que tem um investimento de referência em Montemor-o-Novo, ele está a preparar dois projetos que ainda vão posicionar mais este Alentejo interior, também.
Poderá dizer-se que o Alentejo está a afunilar muito o seu produto para um segmento médio alto/alto
É possível um desenvolvimento em todo o território?
É importante que a região mantenha alguma homogeneidade do seu produto turístico. Temos uma grande concentração de camas, 60% das camas do Alentejo estão apenas em 12 concelhos, estamos a fazer um esforço para diversificar as camas para que também o turismo possa, ao fim e ao cabo, contribuir como um fator de coesão territorial. Este ano vamos ter hotéis a abrir em Viana do Alentejo, Ourique, um segundo hotel a abrir em Monforte. Isso é muito importante para nós, tentar que o turismo possa ser um fenómeno capilar e que se possa estender por todo o território, sabendo que há, obviamente, polos de desenvolvimento turísticos que são dinâmicos e que lideram e que acabam por difundir muito o turismo para as áreas adjacentes como Évora, Troia, Comporta e Melides. O Baixo Alentejo neste momento está com um padrão de desenvolvimento muito interessante, pequenos hotéis muito ligados à vinha e ao vinho, em que acabamos por vender muito o charme alentejano.
Uma expressão muito curiosa de um tour operador que nos acompanhou numa visita teste a algumas amendoeiras em flor, há dois meses, dizia-nos que o Alentejo vende o charme do campo, o charme das herdades. Temos hoje uma identidade turística muito alicerçada na autenticidade e na qualidade. O que não significa que não possam existir alguns perigos a essa autenticidade, que existem, e que nós dificilmente conseguimos gerir, porque isso foge muito aquilo que são as atribuições e competências de uma Entidade Regional do Turismo. Só podemos intervir numa parte do turismo. Repare que, gerindo o destino turístico, não conseguimos influenciar nos grandes fatores e grandes variáveis que afetam a competitividade do destino turístico. É uma posição muito ingrata, mas o próprio Turismo de Portugal, enquanto autoridade turística nacional, também está nessa posição. O Turismo de Portugal só consegue interferir na promoção. Veja-se o crescimento desmesurado das mega centrais fotovoltaicas, que estão a colocar dificuldades imensas e que estão a prejudicar muito a atratividade turística de alguns territórios. Mas confiamos que o Alentejo vai continuar a trabalhar nesse caminho de qualidade, de identidade e um destino que vai crescer e agora a mais na oferta.
O Alentejo promove-se como um dos destinos mais sustentáveis da Europa. Para a região tem sido fácil conciliar este caminho, ou se haverá uma maior exigência daqui para a frente?
O Alentejo, diria que é sustentável por natureza, fruto de um menor desenvolvimento industrial e uma menor massificação. Isso está muito ligado à filosofia dos projetos de hospitalidade que nós hoje olhamos. São projetos de baixa escala, não temos hotéis de três andares, nem nas cidades, quanto mais no espaço rural. Temos projetos muito na horizontal, projetos muito ligados à terra, muito ligados ao «farm to table», muito ligados ao território. Projetos que combinam a hospitalidade alentejana com alguns fatores mais cosmopolitas, que começam a revelar-se na oferta da gastronomia. O importante é que essa sustentabilidade não seja prejudicada e influenciada por fatores externos àquilo que é atividades que podem alterar a paisagem…
A paisagem muda. Estamos num processo acelerado de mudança da paisagem, já não vendemos o Alentejo como vendíamos, como uma região de campos de trigo. O Alqueva mudou radicalmente a paisagem numa grande parte do Alentejo e agora vai avançar a barragem do Pisão na zona do Crato, no norte-alentejano, que vai fazer o mesmo. E, portanto, hoje temos amendoal, que não tínhamos, mas temos mais área de amêndoas em flor do que do Algarve. E isso é um produto turístico que também estamos a começar a vender. O que não significa que essa agricultura de regadio, essa agricultura intensiva, não possa aqui e ali colocar algumas dificuldades por vezes à estruturação de alguns produtos turísticos de base territorial e de base empresarial ou outras atividades. A que me preocupa mais, é de facto as mega centrais fotovoltaicas que podem causar prejuízos sérios na competitividade do turismo do Alentejo, que continua ainda a ter como grande fator de venda lá fora a paisagem. É quase como se imaginasse agora, olhando para dois destinos, os Açores e a Madeira, poder imaginar o que é que os Açores começarem a ficar salpicados das mega centrais fotovoltaicas… Pois é, isso é o que começa a acontecer no Alentejo. Isso preocupa-me bastante. E lá está uma parte que eu não consigo influenciar, mas que ainda muito recentemente exprimi a minha grande preocupação ao Presidente do Turismo Portugal convidando-o para que na estratégia do Turismo 2035, que está a ser preparado, essa questão possa ser tida em consideração.
No turismo, contrariamente aquilo que às vezes podemos pensar, nem tudo está adquirido. Nós achamos que o turismo está sempre bem, que está a crescer tudo bem. Não é assim. Há riscos, há fatores que são preocupantes e cabe-nos, a entidade que gera o destino, garantirmos que o turismo é sustentável, porque eu não posso dizer a um empresário, às 2ª, 4ª e 6ª, para ele investir aqui e às 3ª e 5ª aparecer-lhe uma central de fotovoltaica; e eu não estou a falar de coisas que podem acontecer. Isto já aconteceu. Depois eu tenho um empresário hoteleiro que tem um hotel cercado por uma floresta de vidro e que tem que ir comprar a Itália e gastar meio milhão de euros para trazer arbustos para tapar o hotel.
Os turistas não vêm para os territórios para ver florestas de vidro, vêm para ver paisagens, biodiversidade, natureza, animais, flora, fauna, montanhas, rios. Eles vêm para ver isto. Esse é um fator que me preocupa.
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