Os agentes de viagens freelancers parecem ser um “mercado” em expansão. Mas em que posição ficam as agências tradicionais? A Ambitur foi ouvir algumas vozes do setor da distribuição para compreender o fenómeno e o que une e afasta ambos os lados.

“Só a ganância por comprar barato dá nisto”. É a posição de um agente de viagens tradicional com quem a Ambitur falou. Marco Velez, da Leiriviagem, acredita que os custos associados é o que separa um agente tradicional de um agente freelancer, este último que exerce a função por conta própria sem estar ligado a nenhuma agência de viagens.
Seguindo esta ideia, um agente de viagens freelancer não tem a mesma estrutura que uma agência, dizendo mesmo até estrutura física. Um trabalho que pode ser feito em casa através de um computador não parece, para o agente da Leiriviagem, a experiência mais fiável quando o tema é organizar viagens: “se algo correr mal, como por exemplo na pandemia, é muito fácil virar as costas e desaparecer de cena. Sendo assim, nós, as agências tradicionais, somos, na minha opinião, muito mais fiáveis e a quem o público deveria sempre recorrer”, frisa.

Cláudia Santos, agente freelancer que apresenta o seu trabalho como “Viagens da Klaudete”, conta-nos a sua versão da história: “ser um agente de viagens freelancer é ser livre. É poder escolher onde e quando trabalhar. Não há limites geográficos, não há fusos horários que impeçam de poder proporcionar viagens de sonhos aos clientes. É estar ligado à internet na Tailândia e reservar um hotel para um cliente que está em Portugal”.
Mas não se deixe deslumbrar porque o início pode ser difícil. É comum que um freelancer tenha de conciliar esta atividade com outra profissão, até porque é preciso criar a sua rede de contactos primeiro e depois arrancar com o serviço. Foi o que aconteceu com Cláudia. No entanto, “quando o negócio começa a crescer, há escolhas que têm de ser feitas”, sublinha, “há sempre clientes a viajar, documentação para enviar, check-in para fazer, ocorrências em destino”.
E, a melhor parte, é poder fazer tudo online e no conforto do seu lugar preferido. “É no digital que a minha agência de viagens trabalha”, explica Cláudia Santos, “agora é muito mais fácil pedir orçamentos, ter informações sobre o destino, tudo na palma da nossa mão e com apenas uns scrolls e cliques”.
Tudo começou pela experiência própria. Expressando-se como uma apaixonada por viajar, a fundadora da Viagens da Klaudete desde cedo organizava as aventuras de amigos e de familiares. À primeira oportunidade de se lançar neste negócio freelancer “foi só aplicar todo o meu conhecimento e experiência na concretização de viagens e ainda ganhar dinheiro com isso”.
Acreditando no potencial do seu trabalho, parece que este modelo freelancer pode estar em rampa de lançamento. Pelo menos para Cláudia, “a procura tem sido crescente” e acentuada pela pandemia.
Quanto à rentabilidade, “consistência, resiliência e foco são a chave para o sucesso”. Assumindo que ganhar espaço no digital e criar confiança junto aos potenciais clientes leva tempo, a agente de viagens afirma que “não se pode desanimar quando o cliente não agradece o orçamento que tanto trabalho nos deu a preparar e não se pode desanimar quando fazemos 20 orçamentos e não fechamos nenhum”.
Porém, face aos ganhos e à liberdade, nem tudo é um mar de rosas. Estar constantemente disponível, sem um horário fixo de trabalho, pode ser desafiante: “o cliente exige respostas rápidas, com a mesma rapidez que envia uma mensagem no WhatsApp ou no Facebook, seja sábado, domingo ou Natal”, avisa a fundadora da Viagens da Klaudete.
Agentes tradicionais reconhecem crescimento do freelancing mas querem limites

Em contraponto, o desenvolvimento deste mercado de agentes de viagens freelancers parece não ser bem visto pelos trabalhadores tradicionais do setor da distribuição. Natalie Lopes, da Viagens 4Seasons, acredita que o conceito “cresceu de forma descontrolada, pondo até em causa a boa formação profissional de um agente de viagens”. Atualmente, qualquer pessoa sem formação ou experiência na aviação e turismo torna-se um consultor de viagens, defende.
Mesmo assim, a realidade, para Natalie, é que o crescimento não será contínuo: “acredito que esta atividade funciona até algo correr mal” e “o cliente que procura estabilidade, segurança e confiança continuará sempre a procurar uma agência de viagens tradicional”.
Mas o mais grave, para a agente da 4Seasons, é que “o setor deixou de vender serviço para vender preço”, ficando banalizado nas reais competências que um profissional da área tem de adquirir. E também Marco Velez, da Leiriviagem, se preocupa com isto: “como os freelancers têm custos muito mais baixos e não se importam de ganhar apenas o essencial, e às vezes nem isso, é bem possível que tenham um crescimento muito acima do que eu gostaria que acontecesse”. Desta forma, Marco Velez defende uma “legislação mais fechada” para o setor e pede às associações no mercado que se ponham do lado das agências de viagens tradicionais.

Por sua vez, Nuno Castro, do Mercado das Descobertas, crê que, apesar do crescimento do freelancing no setor da distribuição, “as agências tradicionais mantêm uma presença significativa no mercado”, mais estruturada e com recursos. “É certo que os freelancers procuram atrair clientes com serviços personalizados e flexibilidade, mas isso não é nada que os agentes tradicionais também não o façam, com confiança e segurança”, afirma ainda.
Em relação às questões ético-laborais que se levantam neste novo modelo de venda de viagens, Nuno Castro coloca em cima da mesa a salvaguarda do cliente: “é certo que este agente terá de proceder à venda através de um RNAVT de uma empresa, mas na verdade não existe nenhum vínculo laboral entre ambos, pelo que será mais difícil existir um controlo da eficiência e profissionalismo desse prestador de serviços”. “O que considero pertinente, neste momento, é refletir se esse modelo de negócio que está atualmente a proliferar assegura a transparência, a lealdade e a proteção dos clientes”, frisa.
Neste assunto, Marco Velez invoca a expressão “é a lei da selva”. Alguns freelancers são profissionais, bons, que por algum motivo ou infortúnio, decidiram uma carreira própria e não quiseram abrir uma agência de viagens, outros, por vocação ou profissão, tornaram-se excelentes profissionais. Agora, há outros que são meros curiosos e que, por viajarem duas ou três vezes e pela facilidade de acesso, tornaram-se freelancers e pensam que podem fazer e vender viagens. Mais uma vez aqui culpo todos, nomeadamente a tutela. Estes últimos, vendem sem contar com possíveis imprevistos, marginalizando esta profissão que já foi muito benéfica e bonita. No final desta equação é o cliente final que ganha, mas leia-se aqui ganhar somente do ponto de vista financeiro. Para se vender barato, falta toda uma outra panóplia de serviços”, acusa o agente da Leiriviagem.
Assim, o desafio está principalmente no preço oferecido ao cliente final. “Muitas das vezes é impossível competir com margens mínimas. Então temos de o contornar com a prestação de serviço, com a qualidade, com a confiança e a segurança. Temos de reeducar o setor neste sentido promovendo a prestação de serviço e não o preço”, defende Natalie Lopes.
“Todos queremos vender, especialmente quem tem produto de risco, mas deveriam fazê-lo o mais corretamente possível”, remata Marco Velez, enquanto Nuno Castro, do Mercado das Descobertas, afirma que “o profissionalismo, a dedicação, a engenhosidade, a experiência, a formação dos nossos colaboradores serão sempre o elemento diferenciador e de sucesso face a esta nova modalidade de agente”.
Por Diana Fonseca, publicado na edição 347 da Ambitur.






















































