A Ambitur.pt está a auscultar as várias associações do país no sentido de que partilhem com os nossos leitores a sua visão, mais de 15 dias depois da declaração do Estado de Emergência.
Jorge Veiga França, presidente da direção da ACIF – Associação Comercial e Industrial do Funchal, responde às nossas questões.
Como caracteriza a ACI, o estado das empresas vossas associadas?
A ACIF, de modo a conhecer a verdadeira dimensão dos danos no tecido empresarial, tem vindo a inquirir os seus associados, desde que foram adotadas medidas restritivas, por forma a mitigar os efeitos da Covid 19.
De acordo com o inquérito efetuado, do qual obtivemos 157 respostas, 94% das empresas que responderam registaram uma redução de atividade e apenas 6% ainda não teve qualquer impacto. Das empresas que indicaram a redução de atividade, 57% das empresas verificam quebras entre 81% a 100%, 41% das empresas registaram quebras entre 41% e 60% e 12% das empresas confirmam uma redução entre 61% a 80%.
No que concerne às linhas de crédito disponíveis, 58,3% das empresas que responderam ao inquérito, revelaram que recorreram a esta medida, enquanto 41,7% afirmaram ainda não ter recorrido a qualquer apoio financeiro.
Relativamente ao lay-off simplificado, 75% das empresas informaram que já requereram a este apoio e 25% dos inquiridos mencionou ainda não o ter feito.
Existe no tecido empresarial um sentimento de preocupação e de angústia, não só porque a maioria das empresas sofreu quebras acentuadas, que não estão a ser compensadas pelos apoios governamentais, já que os mesmos ainda apresentam algumas barreiras, o que impede que o acesso seja generalizado, mas também porque existe um grau de incerteza muito grande em relação ao futuro e ao tempo que as empresas demorarão a atingir novamente o seu equilíbrio económico-financeiro.
Existe alguma previsão de curto prazo relativamente ao futuro da atividade das mesmas?
Neste momento, ainda não conhecemos o plano de abertura gradual da economia que está ser preparado pelo Governo Regional, pois o mesmo será apresentado durante esta semana. Acreditamos e defendemos que, a partir do final deste mês, será possível termos a abertura de algumas empresas, iniciando-se com os setores que são essenciais para a economia e que representam um menor risco de contágio e um maior distanciamento social, privilegiando, sempre que possível, o teletrabalho.
O que preocupa mais a associação neste atual momento de gestão de crise?
Tendo presente que estamos a ter uma evolução positiva ao nível do controle desta pandemia, o que nos preocupa, neste momento, é reunirmos as condições para assumirmos a retoma da atividade económica, para, paulatinamente, voltarmos à normalidade, à semelhança do que está a suceder com outros países, onde o impacto desta crise sanitária não foi tão severo.
As regras de confinamento serviram para manter a curva epidemiológica abaixo da capacidade de resposta do sistema nacional de saúde, mas, passadas estas semanas, temos perfeita consciência de que não vamos conseguir erradicar o vírus durante os próximos meses, pelo que a convivência com o mesmo, até ser descoberta a vacina, terá de ser uma realidade, mantendo obviamente os mecanismos de salvaguarda e de controlo necessários.
Esta paragem na atividade económica perspetiva uma quebra no PIB como nunca antes foi observada, o tecido empresarial não sobreviverá se mantivermos esta situação por muito mais tempo, pelo que no entender da ACIF, deveremos, com a maior brevidade possível, definir um cronograma que determine a abertura, ainda que gradual e progressiva, dos vários setores da economia, a partir do mês de maio, iniciando-se com os setores que representam um menor risco de contágio e um maior distanciamento social.
O avanço dos sucessivos patamares, neste processo de reabertura das atividades, terá de ser constantemente monitorizado, de modo a permitir a célere deteção de indício de novos surtos e alvo de uma fiscalização por parte das autoridades de segurança pública, com uma ação mais apertada na reabertura, com tendência para diminuir, com a evolução dos resultados do controlo e monitorização programados.
O regresso à normalidade deverá ser feito de forma gradual e de acordo com os critérios definidos pela Organização Mundial da Saúde, ou seja, deverão estar salvaguardados alguns aspetos, designadamente ao nível do controle da transmissão do vírus, da capacitação dos sistemas de saúde, da minimização de riscos em espaços com elevado nível de contágio, da implementação de medidas preventivas em locais com maior acesso da população e ao nível da gestão do risco de importação.
Têm sido auscultados pelo Governo e participado no desenhar de soluções já aplicadas?
Sim, desde o início desta pandemia que a ACIF tem reunido com frequência com o Governo Regional, foi aliás criado um grupo de trabalho para acompanhar estas questões, mesmo antes de terem sido decretadas todas estas medidas restritivas. Tivemos ocasião de nos manifestar em relação às medidas que estavam a ser equacionadas e de sugerir alterações e sugestões, no sentido de abrangermos todas as empresas em dificuldade.
Entendemos que, no geral, as medidas são apropriadas, e até temos assistido, nestes últimos dias, à introdução de melhorias no sentido das mesmas corresponderem às expetativas do tecido empresarial. No entanto, apesar de reconhecer o mérito das mesmas, julgamos sinceramente ser imprescindível a adoção urgente de medidas adicionais, complementares às que já se encontram em vigor, que visem um maior apoio às empresas, nesta fase conturbada, que trará inúmeros desafios aos empresários nos próximos meses, em que a inatividade das empresas ou a sua enorme redução será uma realidade incontornável.
Para que tenha uma ideia concreta do que preconizamos, salientamos:
1. A isenção total (e não mero deferimento) dos impostos, taxas e contribuições relativos ao período de condicionamento da atividade económica, ou, não sendo possível tal isenção, a atribuição (a fundo perdido e sem custos) de verbas adequadas a compensar os montantes suportados e/ou a suportar pelas empresas;
2. A isenção total das taxas municipais, relativas ao período de condicionamento da atividade económica, incluindo, não só as relativas ao consumo de água nos municípios não aderentes à ARM, mas também todas e quaisquer taxas que sejam contrapartida do exercício de atividades económicas, tais como de ocupação da via pública, publicidade, etc;
3. A comparticipação (total ou substancial) da parcela de 30% das remunerações, a suportar pelas entidades empregadoras, ou, não sendo possível tal isenção, a atribuição (a fundo perdido e sem custos) de verbas adequadas a compensar os montantes suportados e/ou a suportar pelas empresas, no âmbito do recurso ao lay-off e garantia do reembolso célere (ou pagamento direto aos trabalhadores abrangidos) da parcela de 70% a suportar pela Segurança Social. A este prepósito, gostaria de referir que o Governo Regional preconizou uma linha de crédito, designada Linha Invest RAM Covid 2020, com uma componente a fundo perdido, complementar à medida do Lay-off simplificado, cujo lançamento está previsto para esta próxima semana.
4. A inclusão dos administradores e gerentes remunerados, no âmbito do Lay-off simplificado, com a consequente atribuição aos mesmos da correspondente compensação retributiva, determinada nos termos gerais aplicáveis;
5. A equiparação de todas as faltas ao trabalho, decorrentes do condicionamento do exercício da atividade económica a faltas justificadas por motivo de doença e/ou de assistência à família, sendo os respetivos subsídios integralmente suportados pela Segurança Social, e ficando as entidades empregadoras isentas das respetivas contribuições, nos termos gerais aplicáveis, ou não sendo tal equiparação possível, a atribuição (a fundo perdido e sem custos) de verbas adequadas a compensar os montantes suportados e/ou a suportar pelas entidades empregadoras;
6. A atribuição (a fundo perdido e sem custos) de compensações destinadas a permitir o pagamento dos custos de funcionamento, encargos e custos correntes, indispensáveis ao exercício, manutenção e retoma da atividade, designadamente, mas sem restringir, rendas de contratos de arrendamento não habitacionais;
7. A fixação/imposição, no âmbito das linhas de crédito a disponibilizar, de taxas de juros máximas, não especulativas e adequadas, quer às atuais condições de mercado, quer às taxas de juro praticadas pelo Banco Central Europeu, quer ainda à contragarantia dada pelo Estado e/ou Governo Regional;
8. Substituição da Região aos privados, na apresentação de uma garantia mútua de 20%, no âmbito da linha de crédito Capitalizar 2020, de 200 milhões de euros;
9. Criação de linhas de tesouraria regionais, de fácil e rápido acesso, para as empresas que não consigam aceder às linhas de crédito nacionais;
10. Criação de uma linha de crédito, de fácil e rápido acesso, que venha complementar os apoios nacionais e regionais, com mecanismos de subsídio a fundo perdido.
As atuais soluções precisarão de ser reforçadas, e em que altura?
O Governo Regional da Madeira apresentou uma linha de crédito, a Linha Invest RAM Covid 2020, no sentido de complementar as demais medidas apresentadas a nível nacional, que, no nosso entender, eram insuficientes para debelar esta crise. Esta linha tem como objetivo a manutenção dos postos de trabalho permanentes das empresas, de modo a evitar o encerramento e a insolvência das mesmas, e inclui uma componente a fundo perdido caso as empresas mantiverem o número de postos de trabalho permanentes durante, pelo menos, 18 meses a contar da data do contrato do empréstimo e se tiverem, de facto, registado uma quebra superior a 40% do volume de vendas, para as empresas da ilha da Madeira, e de 15% para as empresas sedeadas na ilha do Porto Santo, entre a média dos meses de março a maio, comparativamente com a média dos 90 dias anteriores ou período homólogo.
Estamos obviamente satisfeitos com mais esta medida que os empresários têm ao seu dispor, pois a mesma configura uma componente a fundo perdido, uma das nossas sugestões apresentadas ao Governo Regional. No entanto, o montante de 100.000.000 euros que está previsto para a sua concretização parece-nos claramente insuficiente, pelo que será necessário, oportunamente, um reforço que, embora a escalonar por vários anos, segundo as nossas previsões, que dia a dia vamos aperfeiçoando, ultrapassará o atual valor aprovado.
Há números de que se possam falar ao nível do emprego destruído até agora, e naquele que poderá ser o curto prazo?
Neste momento ainda não temos dados concretos sobre o emprego destruído, embora tenhamos perfeita consciência de que isso, a longo prazo, e com o regresso à normalidade, irá ocorrer. De acordo com o inquérito que fizemos, junto das empresas associadas, até ao momento, foram afetados 2030 postos de trabalho, no entanto, estes dados ainda não traduzem uma situação de emprego destruído, mas apenas de emprego em suspenso.
Qual o papel que cabe aos empresários no atual momento?
Neste momento cabe aos empresários não tomarem decisões precipitadas, analisarem todas as medidas que têm ao seu dispor no sentido de beneficiarem do máximo de apoios possíveis e de encontrarem um equilíbrio financeiro que os permita cumprir com as obrigações de curto prazo, enquanto perdurar o estado de emergência. Simultaneamente, deverão envolver-se no planeamento que está a ser feito ao nível da retoma da atividade económica, mantendo alguma expetativa e optimismo em relação ao futuro, de modo que o regresso à normalidade seja feito de acordo com todas as recomendações emanadas dos órgãos competentes.