Arrancou a 17 de maio de 2011 o programa de intervenção nas finanças públicas e na economia portuguesa negociado pelo Governo do PS, liderado por José Sócrates, com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, mediante o qual Portugal recebeu um empréstimo de 78 mil milhões de euros. Programa que passa a ser conduzido pelo Governo PSD-CDS, chefiado por Pedro Passos Coelho, a partir de 21 de junho. O que ninguém naquela altura supunha é que a atividade turística se iria tornar, a partir dessa data, a mais preponderante na economia nacional, arrastando todas as restantes atividades económicas na mesma direção.
Praticamente nove anos depois, o país e o mundo preparam-se para enfrentar a mais que provável maior crise financeira de sempre. Terão os atores do turismo nacional capacidade de resiliência para começar a traçar um novo ciclo de crescimento que permita que a economia do país esteja ainda mais forte daqui a uns anos? Esta é a premissa base que nos levou à auscultação das diversas associações setoriais: como o presente poderá modelar o futuro.
Para Elidérico Viegas, presidente da AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, “o que tem de ser tem muita força e este não é momento para esconder verdades”. Acredita o entrevistado que muitas empresas, designadamente as mais pequenas, não reabrirão nem voltarão a ter atividade. “Haverá muitas insolvências, rearranjos empresariais e o desemprego vai disparar para níveis impensáveis há poucas semanas. É preciso termos bem presente que toda a lógica comercial associada ao negócio das viagens e turismo foi profundamente abalada, quer ao nível do transporte aéreo, quer no respeitante aos operadores turísticos, transportadores, etc… Ou seja, os canais de comercialização e distribuição de férias estão seriamente afetados e não voltarão à normalidade de um momento para o outro”, indica o responsável.
Já Ana Jacinto, secretária geral da AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, considera que “se há uma coisa da qual nos podemos orgulhar (e felizmente há muitas), é a capacidade de resiliência e de resistência à adversidade que as empresas destas atividades têm demostrado ao longo do tempo e em alturas de crise. Sabemos que vamos resistir, mas também sabemos que nem tudo vai ficar bem para todos e que se perspetivam tempos difíceis. O nosso tecido empresarial é composto na sua esmagadora maioria por micro, pequenas e médias empresas, que terão mais dificuldade em suportar dois ou três meses sem qualquer receita ou entrada de dinheiro”.
A visão de Rodrigo Pinto Barros, presidente da APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, é que o foco está, neste momento, na forma como irá decorrer o verão e na capacidade de resposta que o mercado interno irá ser capaz de dar. Valoriza o responsável que o desempenho dos turistas nacionais irá determinar se as empresas do setor terão ou não as condições mínimas para enfrentar o inverno e para ter a capacidade de se aguentarem até ao final do ano. Sendo assim, “tendo presente que nem todas as empresas o irão conseguir fazer com sucesso – não pode haver ilusões nesse sentido -, a APHORT acredita, contudo, que o turismo é um dos setores mais resilientes e que irá conseguir reinventar-se e readaptar-se a uma nova realidade”.
Indica o secretário-geral da ARAC – Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, Joaquim Robalo de Almeida, que na atual conjuntura, dois/três meses, “parece-nos” um período demasiado longo para que uma boa parte das empresas de rent-a-car possam resistir, antecipando-se desde já que algumas empresas não sobreviverão a uma crise económica sem precedentes e, segundo vários analistas, só comparável com o fim da segunda guerra mundial.
Por seu lado, António Marques Vidal, presidente da direção da APECATE – Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos, indica que a capacidade financeira já está no limite para muitas empresas, até porque muitas já tinham investido quando se deu a crise. “A capacidade de resiliência humana existe, a financeira já não”, resume o responsável.
Purificação Reis, presidente da ACISO – Associação Empresarial Ourém-Fátima, indica que a capacidade de resiliência depende de empresa para empresa, pois “temos empresas que fizeram grandes investimentos nos últimos anos e que, por esse motivo, têm compromissos financeiros avultados, diminuindo a sua capacidade de resposta e de adaptação”. Por outro lado, “temos micro e pequenas empresas com pouco tempo de atividade e que fizeram os seus investimentos iniciais e que não têm capacidade financeira para enfrentarem os compromissos mensais, e temos uma outra franja de empresas que conseguirão ter alguma liquidez que lhes permita reinventarem-se e adaptarem-se a uma nova realidade, embora com sofrimento e alguns custos sociais”, acrescenta. Resume a responsável que “existirão muitas empresas sem condições de suportar três meses dos seus encargos mensais sem ajudas externas, porque não serão apenas três meses, serão, adicionalmente, todos os meses que demorarão a restabelecer uma atividade normal”.
Mais otimista é a visão de Pedro Fontainhas, diretor executivo da APR – Associação Portuguesa de Resorts, que indica que o setor em geral entra nesta crise com uma boa capacidade de resistência, fruto da boa gestão e do desenvolvimento do mercado nestes últimos anos. “Mas tudo depende da recuperação do mercado em Portugal e, para a maioria dos nossos associados, dos países de origem dos respetivos clientes”, avisa o responsável.
Adília Lisboa, presidente da direção da ARHCESMO – Associação Regional dos Hoteleiros de Cascais e Estoril, Sintra, Mafra e Oeiras, considera por seu lado que o facto de a economia portuguesa ser, por exemplo, uma das que maior dependência tem do setor do turismo ou do consumo das famílias, fala por si sobre a gravidade da situação em que nos encontramos. “Os portugueses, porém, têm mostrado a maior resiliência em momentos de grande crise, e temos que acreditar que conseguiremos ultrapassar mais este difícil momento, embora devamos ter a consciência que nada vai ser como dantes e que teremos que nos adaptar a novas realidades”, acredita.
Responsabilidade dos empresários
Para Rodrigo Pinto Barros, da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, os empresários têm, neste momento, duas missões essenciais. Em primeiro lugar, munir-se de todos os instrumentos necessários que lhes permitam proteger empregos e as suas próprias empresas. Em segundo lugar, compete-lhes também começar a desenhar o próximo ciclo de retoma económica. “Neste contexto, a APHORT tem vindo já a realizar um conjunto de fóruns com os seus associados, no sentido de reunir propostas e contributos que possam traduzir-se em soluções válidas para ajudar a ultrapassar o atual cenário e começar a planear o futuro. Por outro lado, a observação e o acompanhamento regular das práticas que estão a ser implementadas noutros países, têm-nos permitido obter insights relevantes que nos podem também ajudar a começar a traçar algumas medidas”, acrescenta.
Para Joaquim Robalo de Almeida, falando em nome da atividade de rent-a-car, “face ao que estamos a viver, os empresários tentam por todos os meios ao seu alcance manter vivas as empresas e os postos de trabalho, sendo certo que só o conseguirão fazer se a crise não se estender por muito tempo, trazendo no entanto o regresso à “normalidade” que todos ansiamos novos paradigmas de valores, objetivos, consumos, hábitos, rotinas, etc”.
Já Pedro Fontainhas, em representação dos resorts portugueses, garante que os empresários do turismo residencial estão muito unidos na resistência imediata à crise e no desenho e comunicação de medidas e instrumentos que permitam a recuperação mais rápida possível logo a partir dos primeiros sinais de alívio da mesma.
Na mesma linha, Adília Lisboa, que lidera a entidade representativa dos hoteleiros das regiões de Cascais e Estoril, Sintra, Mafra e Oeiras, indica que “os empresários têm também sido, ao longo da nossa história recente, muito resilientes em momentos de grandes dificuldades. Acreditamos que, mesmo com este enorme desafio, não irão baixar os braços na luta que tem sido constante nas suas vidas”.
Para António Marques Vidal, presidente da APECATE, que representa as empresas de congressos, eventos e animação turística, “aos empresários cabe ficarem calmos, trabalhando para encontrar soluções, sabendo que é uma crise mundial, que o nosso governo tem uma capacidade limitada de intervenção e que todos vamos sofrer com esta crise”.
Acrescenta Purificação Reis, presidente da associação representativa das empresas da região Ourém-Fátima, que a sociedade exige dos empresários que sejam uns “super-heróis” capazes de encontrarem soluções para manterem as suas empresas e para manterem os postos de trabalho, a todo o custo. “Eles sê-lo-ão certamente se conseguirem passar o período de recessão e sobreviver ao mesmo, neste enquadramento nunca antes vivido. Serão ainda “super-heróis” todos os que lutarem afincadamente para sobreviver mesmo que não o venham a conseguir”, acrescenta. Enfatiza a entrevistada que, naturalmente, este é um período muitíssimo exigente, física e psicologicamente, em que cada empresário terá de manter a calma e a capacidade de decisão, estimulando a sua capacidade criativa e de inovação para encontrar novas soluções.
Valoriza neste contexto, Ana Jacinto, responsável pela entidade cujos associados trabalham nas áreas da restauração e hotelaria, também o papel das associações. Indica que “primeiro que tudo, temos de estar unidos. Uma crise desta natureza só é possível ser ultrapassada através da união, com um único foco: salvar empresas e salvar emprego. E esta união materializa-se sobretudo na união dos empresários com as associações suas representantes – como a AHRESP no caso das atividades da Restauração e Bebidas e do Alojamento Turístico – que tem sido a voz de muitos milhares de empresários destas atividades na defesa dos seus diretos e interesses, e que os tem apoiado e esclarecido sobre as inúmeras medidas que têm vindo a ser anunciadas. É em alturas como a que estamos a passar que o associativismo assume uma maior importância. Da nossa parte podem contar sempre com o nosso empenho, e com o otimismo possível, de que vamos conseguir ultrapassar, juntos, esta fase complicada”.
Para Elidérico Viegas, em nome dos empreendimentos turísticos do Algarve, o papel do empresário é e como sempre: “Resistir, resistir, resistir… até ao limite das nossas possibilidades e capacidades, tendo consciência que sozinhos não o vamos conseguir. Nunca como antes o papel do Estado foi tão determinante. O desafio é de todos nós, mas cabe ao governo assumir a responsabilidade maior – fazer tudo o que esteja ao seu alcance para mobilizar esforços e aglutinar vontades tendentes a esbater a maior crise que o mundo já enfrentou”. Indica o responsável “esta é uma guerra demasiado séria para ser deixada apenas nas mãos dos generais. Assim sendo, o governo deve governar, mas somos nós que temos de dar o corpo às balas.
Os empresários, enquanto intermediários entre capital e trabalho, desempenharão o papel que lhes está destinado, ou seja, gerir o melhor que podem a gestão do bem estar das sociedades modernas, assim saibam os outros actores do processo económico e social estar à altura das responsabilidades que lhes estão atribuídas”.