Apaixonado pela indústria da aviação, José Lopes, country manager para Portugal da easyJet, falou à Ambitur da solidez da companhia aérea onde está desde 2012 e da forte aposta que a mesma pretende continuar a fazer no mercado português. Não se escusando a comentar as dificuldades existentes a nível de infraestrutura – apontando sobretudo os aeroportos de Lisboa e da Madeira como as situações mais graves – o profissional mantém-se otimista e acredita que, em 2020, a easyJet poderá voltar a crescer em Portugal, ultrapassadas estas questões.
Quais as responsabilidades e competências de um Country Manager da easyJet?
Sou a cara e a voz da empresa no país. Por um lado, toda a definição da estratégia da empresa em termos de rotas, frequências a abrir, horários, passa pela minha equipa. Por outro lado, todos os contactos com stakeholders, Governo, ANAC, NAV, ANA, toda a área relacionada com Public Affairs está também sob a minha alçada. Algo que passa também pelas minhas funções, e tem sido mais difícil de implementar em Portugal, é sermos ouvidos como uma voz da indústria que poderá ajudar a analisar temas relacionados com a indústria. E depois zelar pela união de toda a equipa, são mais de 350 pessoas em Portugal, cientes dos nossos objetivos, do caminho que queremos percorrer.
Qual o grau de autonomia aqui em Portugal, comparando com outros países europeus?
Em relação a alguns países, como a Holanda, é idêntico, mas se compararmos com países como França, Itália ou Espanha, o grau de autonomia desses países é superior e tem essencialmente a ver com a força do mercado, não só a nível de dimensão mas em termos de gerar receita. Portugal é um país pequeno, somos essencialmente um mercado de recetivo. Mais de 70% do tráfego em Portugal é recetivo – nos últimos 10 anos o tráfego duplicou e este split de recetivo/tráfego de saída manteve-se ao longo de toda a minha carreira na aviação.
Como caracteriza a evolução da easyJet em Portugal?
Quando abrimos a base de Lisboa, houve algumas dificuldades no arranque. A partir do momento em que conseguimos analisar os detalhes inerentes ao negócio em Portugal conseguimos aproveitar muito melhor as oportunidades existentes e começámos a crescer em dois dígitos. O ano passado foi mesmo acima dos 20%. Sempre já alertando para aquilo que víamos acontecer: o congestionamento de alguns aeroportos, nomeadamente o de Lisboa. Este ano há um abrandamento forte, estamos a crescer 8% no inverno, e vamos crescer à volta de 5%.
Esperamos poder trabalhar em conjunto para que as condições ideais para crescermos voltem a existir, o que não acontece devido essencialmente à saturação do aeroporto de Lisboa. No Porto também existe saturação, mas é temporária, para o próximo ano já estará resolvida. A saturação do aeroporto de Lisboa é extremamente preocupante e necessita de medidas urgentes para que antes que a solução Portela + 1 esteja implementada possamos voltar a crescer. Numa empresa como a easyJet, com ativos constantemente a entrar – temos aviões a entrar, prevemos um crescimento médio anual de 6%/8% – se Lisboa está congestionada esses ativos acabarão por ir para outros mercados. A economia portuguesa está a perder oportunidades. Lisboa nem sequer é uma opção neste momento.
Quais os ativos que a easyJet tem cá?
Neste momento temos duas bases em Portugal: Lisboa e Porto. Apesar de operarmos em quatro aeroportos – mais Funchal e Faro. Em Lisboa temos cinco aviões, no Porto quatro. Mas os ativos que voamos de/para Portugal são muito superiores. Neste momento voamos 63 rotas em Portugal, num total de 1008 rotas da easyJet. Transportamos mais de seis milhões de passageiros aqui em Portugal, num total de mais de 80 milhões da easyJet.
São números já de peso, e sempre em crescendo, não só em todos os aeroportos mas apostando em combater a sazonalidade. Ainda este inverno que acabou de fechar o nosso crescimento em Faro foi de quase 17%, num aeroporto que está a sofrer do abandono de algumas operadoras que foram à falência. Somos um player que aposta no país e de forma consistente, o ano todo e em todo o território.
Qual a importância de Portugal para a easyJet e desta para o país?
Portugal é um mercado com grande potencial. Precisamos destes ajustes para poder continuar a crescer e para que Portugal seja competitivo. Seis milhões em 80 milhões de passageiros é um peso relevante. Ainda agora acabámos de pôr à venda 24 novas rotas este inverno, duas para Portugal, estamos a falar de cerca de 10% das novas rotas abertas para o inverno serem rotas portuguesas. E uma vez mais uma delas era Faro, a outra Porto.
A Importância que a easyJet tem para o país é enorme. Somos uma empresa líder em grandes mercados: nº1 na Suíça, Reino Unido e região de Berlim, nº2 em França e Itália. Somos uma empresa com um peso tão forte nesses mercados emissores que somos uma arma fortíssima para promover Portugal.
A easyJet é uma empresa extremamente sólida financeiramente, com um plano de crescimento – temos 300 aviões e estamos a preparar a empresa para o momento em que teremos 400 – com capacidade de investimento e crescimento a curto, médio e longo prazo, que outros players só têm de forma pontual. Somos um player incontornável para Portugal continuar a crescer em termos de atração de turistas. E o nosso core business é o ponto-a-ponto. É este passageiro que estimula o desenvolvimento da economia nacional.
Relativamente ao Aeroporto de Lisboa, as coisas estão a correr como deviam?
A implementação do Montijo nunca será efetiva antes de 2023, se tudo correr bem. Daí que sempre nos preocupámos com o facto de Lisboa não poder parar. Portela tem que poder continuar o seu processo natural de crescimento porque ainda pode crescer até o projeto do Montijo estar implementado. E é para aí que as nossas críticas têm sido dirigidas. Era importante salvaguardar que a Portela não colapsasse, que não chegássemos ao cenário a que chegámos este verão, em que o meu crescimento vai ser zero porque não há slots para crescer mais. Ou no verão de 2019, que já estamos a fechar, e em que vamos ter novamente crescimento zero na Portela.
Há soluções que se podem e já deviam ter sido implementadas. A ANA já podia ter feito investimentos mais fortes a nível das saídas rápidas da pista, da extensão do taxiway, da apropriação de terrenos que não permitem a extensão do taxiway numa zona específica do aeroporto, e aí em colaboração com o Governo, porque o interesse nacional tem que estar à frente. Questões também relacionadas com um aumento da segurança da operação na Portela, o fecho da pista 17/35, a criação da nova torre de controlo, há muitas coisas que têm que ser feitas, e que estão a demorar demasiado tempo a ser implementadas e que nos permitiriam na Portela passar de uma média de 38 movimentos por hora, num espaço de dois a três anos, facilmente para 42, 44 ou até 46 movimentos por hora.
Quando todos na indústria estamos conscientes da importância para a economia do país do aeroporto da Portela, o maior do país, surpreende-me esta lentidão em algumas tomadas de decisões.
Falta força e vontade política?
É tudo um pouco. Eu sou otimista por natureza, e fiz toda a minha carreira em empresas privadas, onde arregaçamos as mangas e vamos à luta. Sei o grande esforço que está a ser feito por parte da NAV e da ANA em fazer alguns destes dossiers avançar, e espero que daqui a dois anos possamos ter capacidade para crescimento. Espero pelo menos no verão de 2020 ter boas notícias.
É necessário ajustes noutros aeroportos?
No Porto estão a decorrer obras de melhoria do taxiway que permitirão no próximo verão aumentar capacidade em cerca de 20%. Faro teve alterações significativas ao nível do terminal. Neste momento, a seguir a Lisboa, a grande urgência é o Funchal, um aeroporto com ventos cruzados, um fenómeno que se tem vindo a agravar e um reajuste nunca eliminará o problema na sua totalidade. A única solução é ser visto como um aeroporto com duas pistas: a segunda é o Porto Santo. Quando o Funchal não pode operar, devia existir um plano que permitisse operar voos para Porto Santo, e um meio marítimo que transportasse de forma rápida e eficiente os passageiros, mesmo em condições marítimas adversas, o que permitiria que a operação aeronáutica fosse contínua. A Madeira neste momento é o aeroporto com maiores custos de irregularidade de toda a Europa. O ano passado, em custos de irregularidade extras, ultrapassou 1,200 milhões de libras. Isso coloca a Madeira numa posição cada vez mais complexa.
*Esta é a 1ª Parte da Grande Entrevista publicada na edição 313 da Ambitur.
Leia aqui a 2ª Parte desta Entrevista: “A easyJet é um pouco de todos nós“