O ano 2020 começou com as melhores perspetivas e teria tudo para ser mais um ano de sucesso e, até, o melhor em termos de vendas. Hoje, tudo é motivo para se questionar sobre o que virá. É na retoma da atividade que as principais atenções se centram e as questões que se levantam às redes de agências de viagem são de como será o comportamento do consumidor e se a aposta no mercado interno deverá ser o primeiro passo a dar.
“Estamos a passar uma crise extremamente grave e não vejo a breve trecho uma resolução”, afirma Carlos Baptista, administrador da Bestravel. O gestor falava na segunda edição das “Tourism Talks”, promovida pela Message In a Bottle, esta sexta-feira. Embora o mercado interno possa ser o primeiro a reagir, a retoma estará sempre condicionada pelo tempo da pandemia: “Enquanto subsistir, acho que todas as ações serão insuficientes para fazer a atividade funcionar normalmente: terão sempre um efeito de minimizar a perda”, explica. Num momento seguinte, a retoma ficará marcada pela crise económica: “Temos já a classe média muito afetada com diversos despedimentos e isso terá um efeito muito concreto”, até porque, são o “grande sustento da nossa atividade”.
Num cenário “pós-pandemia” e mais otimista, Carlos Baptista prevê que o movimento de inflexão turística possa ser acelerado na recuperação, mas “não vamos retornar a um momento pré-pandemia. No próximo ano não vamos atingir a produção que tínhamos apresentado no ano passado”, alerta, indicando que esse nível só será atingido “talvez daqui a dois anos”. Mas o apoio que será disponibilizado pela União Europeia a possíveis subvenções poderá ajudar na recuperação, além de que deverá “munir o nosso Governo de uma capacidade mais concreta de ajudar as empresas neste período de pandemia”, acredita.
“O voo não será o veículo de deslocação primordial para viajar”
Ainda durante a pandemia, o administrador da Bestravel atenta que terá de haver uma “fase intermédia de trabalho”, em que o avião não será um “recurso”. Esta posição tem em conta o facto de que a “abertura” do mercado será “muito gradual e estendida no tempo”. Numa primeira fase, a retoma do voo como dinâmica de deslocação e turismo poderá ser a destinos de ilhas: “São mais isolados e será mais fácil controlar entradas e saídas”. No entanto, esta “abertura” está muito dependente das medidas aplicadas em cada um desses mercados, assim como na medida em que haja confiança por parte do consumidor em viajar. “Acredito que as ilhas possam ser o mercado primordial numa lógica de confiança”.
A operacionalidade dos voos é outra questão que já tem merecido grande discussão: “Vamos funcionar com menos cadeiras e com mais controlo, ou quais vão ser os tempos de rotação e de limpeza” são alguns exemplos dos vários fatores que vão “trazer mais custos adicionais à operação”, afirma o responsável. Nesta componente da aviação, as viagens, numa primeira fase, estarão ao “alcance de menos população”, diz, prevendo “um aumento de custo exponencial” que possa “afastar algumas operações de acontecer”, assim como o “interesse em viajar”. Assim sendo, “o voo não será o veículo de deslocação primordial para viajar” e, portanto, será privilegiada a “deslocação de proximidade”, como o carro, a autocaravana ou mesmo o comboio, não restando dúvidas de que o “mercado nacional vai jogar forte” nesta primeira fase pandémica.
No entanto, e ao contrário da aviação, Carlos Baptista acredita que “haverá uma pressão sobre o preço da hotelaria local”: sendo que o mercado português tem normalmente um “poder de compra inferior aos mercados internacionais”, haverá a necessidade de “trabalhar o preço, seja pela lógica de oferta ou excesso de oferta, seja pela lógica de uma procura muito mais baixa e com um poder económico muito inferior”. Para além desta pressão, Carlos Baptista atenta no aumento de custo por cliente: “Vai haver menos economia de escala, mais custos operacionais com todos os processos de limpeza ou certificação”, prevendo assim uma “situação complicada” para a hotelaria nacional.
Também a questão das praias e os constrangimentos impostos leva o responsável a acreditar que será fundamental para perceber a “disponibilidade das pessoas” em ir de férias ou não, mesmo no mercado nacional: “É com todas estas dúvidas e naquilo que se vai falando que estamos a trabalhar na tentativa de perceber se será uma aposta efetiva ou não”, diz.
Apoios do governo à deslocação interna
O pós-pandemia leva ainda Carlos Baptista a crer que a “lógica de mercado livre” começará a “funcionar de forma dinâmica”, mas com a certeza que “alguns segmentos que vinham a ser trabalhados até agora vão ganhar uma dinâmica muito superior”, como por exemplo, a sustentabilidade ou alguns nichos de mercado como a natureza, que serão certamente “exponenciados” nesse momento.
Se a filosofia da Bestravel irá mudar ou se a aposta nestes mercados de proximidade será uma realidade, o responsável realça que Portugal, dentro da rede, é o destino número um, representando à volta de 15% do volume de vendas. “Claro que existe aqui uma quota de mercado que pode crescer substancialmente e é um mercado que pode crescer dentro do que é o espectro de vendas da rede”, afirma o responsável. O mesmo acontece com Espanha, que é o segundo mercado mais forte, e Marrocos, onde também está a ser feito um trabalho muito forte na promoção. “Acredito que estes mercados são mercados para se apostar, mas não na lógica de novo produto porque já o trabalhamos”.
A fase de retoma leva ainda Carlos Baptista a considerar interessante “haver algum incentivo por parte do Governo”, no sentido de promover a deslocação interna. Recorrendo-se ao exemplo do mote “Vá para fora cá dentro”, o administrador da Bestravel considera que faria sentido ser acompanhado temporariamente por uma “redução do IVA” ou “algum apoio” no sentido de haver um “ajustamento no preço”, fomentando ainda mais a retoma.