Quem poderia prever, há um ano atrás, que em 2020 o mundo seria confrontado com uma pandemia global que afetaria todos os setores da economia e, de uma forma tão avassaladora, o turismo? De um momento para o outro, deixámos de ver os aviões a cruzar os céus das cidades ou os navios de cruzeiros a chegar aos portos nacionais; o Português passou a ser novamente a língua mais ouvida no país; restaurantes, hotéis e empresas ligadas ao setor fecharam portas sem saberem quando voltariam a receber clientes, e as ruas ficaram desertas. Um cenário digno de um filme de Hollywood mas que se tornou demasiado real, com todas as consequências negativas que ainda hoje se fazem sentir. Hoje, em vez de notícias de prémios e recordes de uma indústria que fez o seu caminho e se afirmou no panorama internacional, chegam-nos histórias de encerramentos, despedimentos, cortes salariais e, acima de tudo, uma grande incerteza sobre o futuro. Ambitur manteve, ao longo destes meses, um diálogo com nove gestores turísticos – os Conselheiros Ambitur – que nos dão conta da sua visão acerca deste volte-face no turismo e de como este poderá reconquistar a sua posição nuclear.

Em março, José Theotónio, presidente da comissão executiva do Pestana Hotel Group, dizia: “Pensar no amanhã é ter no curto prazo uma gestão de guerra/sobrevivência”. Numa altura em que a palavra Covid-19 ainda era recente no vocabulário dos portugueses, o Conselheiro Ambitur falava de “uma gestão praticamente diária em que cada um tem de dar de acordo com as suas possibilidades” e reconhecia que o país entrava numa fase “em que ainda não sabemos quando e como sairemos desta crise e as suas consequências”. Hoje, quando questionado sobre quais os desafios até ao final do ano, o responsável admite ainda que vivemos num “enquadramento de grande incerteza” e que é fundamental prepararmo-nos “para o pior de forma a que, se algo melhorar na conjuntura, possamos aliviar as medidas de austeridade em que as nossas empresas terão de viver”.
Um mercado muito reduzido é uma certeza, revela José Theotónio, que reconhece que o facto de não termos entrado nos corredores sanitários do Reino Unido e da Irlanda, o primeiro e terceiro mercados internacionais respetivamente, “fez-nos perder a recuperação turística no verão de 2020, em que tínhamos posto alguma esperança”. O que significa que vamos viver do mercado nacional que, lembra o gestor, a partir de meados de setembro “praticamente termina”. O Conselheiro Ambitur não hesita pois em definir como palavra de ordem “Sobreviver sem descurar o futuro”, o que implica contenção de custos, grande rigor na gestão e políticas de manutenção dos colaboradores, que serão imprescindíveis para a retoma da atividade. “A manutenção dos colaboradores, de forma ligada à empresa e à sua unidade ou equipa de trabalho não é uma tarefa fácil no atual enquadramento e com os constrangimentos impostos pela pandemia, mas é um dos grandes desafios que teremos de vencer e, provavelmente, não só até dezembro de 2020 mas, pelo menos, até abril de 2021”, conclui, em declarações à Ambitur.

Também Manuel Proença, presidente do Grupo Hoti Hotéis, nos referia em março que “estamos a aprender a gerir num contexto de economia de guerra” sendo este, sem dúvida, para o setor do turismo, “o maior desafio deste século”. Uma coisa é certa, indicava o Conselheiro Ambitur, esta é uma crise que obrigará a repensar o atual modelo económico. No grupo que gere, o responsável falava então de dois horizontes. Por um lado, o ano de 2020 teria de ser um período de controlo total dos fluxos de caixa, “onde a gestão apertada da tesouraria é crítica para o sucesso no médio e longo prazo”. O objetivo, neste período, é pois proteger a tesouraria e colocar todos os investimentos em “standby”. Já a partir de 2021, Manuel Proença perspetivava uma retoma da economia e, então sim, retomar “a nossa estratégia de sempre, de investimento contínuo”.

Jorge Rebelo de Almeida, CEO da Vila Galé, também não duvida que os gestores turísticos têm pela frente alguns desafios complicados: “capacidade de resiliência, sangue frio, rigoroso controlo de custos e imaginação para sobreviver a esta crise que não tem ainda fim à vista e cujo impacto é para já tremendo”. O Conselheiro Ambitur admite que sempre defendeu a autonomia das empresas mas, perante uma crise de tal magnitude, “é indispensável uma ajuda a fundo perdido às empresas viáveis, sob pena de se poder vir a registar um descalabro económico”.

Gestão da incerteza
A gestão da incerteza é, para Miguel Quintas, CEO do Consolidador.com, o grande desafio do momento: incerteza quanto à evolução do mercado e também legislativa. E é precisamente neste último fator que o responsável considera que os gestores poderão fazer o seu trabalho através das organizações e associações competentes, recordando que esta incapacidade de prever o amanhã, no que diz respeito ao planeamento fiscal e laboral, se traduz “num bloqueio aos investimentos e decisões presentes e futuras de qualquer empresário”. No turismo, este impacto será “ainda maior”, vaticina o gestor, lembrando que o setor assenta em entidades de pequena dimensão e com poucos ativos associados ou em propriedade que, “perante uma incerteza legislativa, podem decidir por um mal menor, ou seja, fechar imediatamente e salvar a máxima liquidez possível”, e aí o impacto sobre o emprego será “brutal”. Já no caso das empresas com ativos em propriedade (como é o caso da hotelaria), “o drama adensa-se pois as perdas poderão ser ainda mais avultadas sem um quadro legislativo seguro”.
Outro desafio apontado por Miguel Quintas prende-se com a capacidade de manter o talento dentro das empresas, já que com um setor em lay-off durante muitos meses, é sabido que as pessoas mais capacitadas possam ter oportunidades noutros setores que podem pagar melhor por não estarem tão condicionados à quebra de vendas ou redução salarial. ” O impacto da fuga de recursos humanos estratégicos é dramático para o planeamento do futuro de qualquer empresa gerando muita incerteza quanto aos planos de contingência ou de reestruturação que possam estar a ser traçados ao dia de hoje”, alerta.
O CEO do Consolidador.com destaca ainda o desafio da gestão financeira, “aquele a que mais tempo os gestores e empresários do nosso setor se têm dedicado” e, porventura, “aquele em que menos acertam e que mais dúvidas têm”. O Conselheiro Ambitur realça que hoje é quase “impossível traçar um plano de receitas ou um mapa de tesouraria que tenha uma validade superior a um ou dois meses”.
Por fim, Miguel Quintas não tem dúvidas de que o maior desafio é saber quando acaba o efeito negativo desta pandemia. “Todos sabemos que o caminho será continuar a descer até bater no fundo. E que o fundo é o fim do medo ao vírus Covid-19. Mas ninguém sabe se será ainda em 2020 que encontraremos aquele fundo”, diz. Claro que, recorda, quanto mais tempo demorar a recuperação, maior o desafio de qualquer gestor turístico no sentido de “manter viva a sua empresa, os seus postos de trabalho e uma unidade empresarial que lhe permita recuperar economicamente no final da tormenta”.
Quem também não duvida de que é a incapacidade de fazer previsões um dos principais desafios de qualquer gestor

é Frédéric Frère, CEO da Travelstore. O que significa que os gestores têm de optar entre apostar em cenários com algum grau de otimismo, podendo ameaçar a sobrevivência das suas empresas caso esses cenários não se confirmem; ou por se prepararem para o pior, aplicando medidas muito duras de contenção de custos e recursos.
“Infelizmente, a falta atual de sinais de alguma retoma deverá levar a grande maioria a colocar as suas empresas nos «portos de abrigo» à espera que a tempestade lhes permita «voltar ao mar» em condições normais de navegação”, prevê o Conselheiro Ambitur. E, caso não haja apoios a fundo perdido, não nega que “os gestores terão que dispensar uma boa parte das suas tripulações, à espera de melhores dias para voltarem a contratar”.
O gestor reconhece também que as atuais medidas, apesar de importantes, contêm um elemento “potencialmente perverso”, pois podem levar as empresas a agravar a dimensão do problema nos próximos meses, diferindo a aplicação de medidas de reestruturação que, eventualmente, se verão forçadas a concretizar. “Como muitos gestores estão conscientes deste risco, poderão simplesmente preferir declinar os apoios disponíveis e decidir reduzir já, de forma significativa, a sua força laboral ou mesmo encerrarem empresas”, vaticina.
Mas Frédéric Frère não deixa de transmitir uma mensagem de otimismo, alegando que apesar de todos os obstáculos na gestão da atual crise, “Portugal tem globalmente revelado uma grande maturidade, o que augura um grande futuro para este fantástico país”.

Já Vítor Filipe, presidente da TQ Travel Quality, em abril deste ano revelava à Ambitur que “neste contexto, falar de futuro, de momento, é termos alento para ter força de vontade e coragem para reiniciar os projetos interrompidos, motivar quem trabalha connosco para juntos e unidos alcançarmos os objetivos que iremos propor”. Em declarações recentes, o Conselheiro Ambitur admitiu que, ao longo destes três meses, a visão dos gestores das agências de viagens e turismo evoluiu negativamente.
O gestor reconhece que os atuais desafios são enormes, sendo o principal “a sobrevivência das empresas e a manutenção de postos de trabalho”. Na sua visão, até ao final de 2020, o setor terá capacidade “para aguentar este impacto extraordinário de redução de vendas”, o qual estima que na maioria das agências se situe entre os 85% e os 95%, mas que tal já provocou “alguma redução de trabalhadores, nomeadamente os contratados a prazo e, em alguns casos, os mais velhos que se aproximam da aposentação”.
Mas Vítor Filipe acredita que setembro será um mês crucial para analisar o que o futuro poderá reservar. “Os negócios de lazer e recetivo estão perdidos, o empresarial poderá começar a ter alguma retoma, o recetivo talvez comece a mexer no último trimestre”, prevê. Mas, dado que existem fenómenos incontroláveis, como o aumento dos infetados pela pandemia e as decisões governamentais, o gestor não duvida que “o corrente ano será extremamente negativo, em termos de resultados das empresas”.
Para o presidente da TQ Travel Quality, o grande desafio será 2021. “Vamos ter que reduzir custos em todas as áreas, aumentar margens para tentar sobreviver”, admite, acreditando que “os mais bem preparados irão continuar, investir na captação de novos clientes” pois “é fundamental não esperar sentado”. Além disso, Vítor Filipe defende que será fundamental “fazer sentir quão importante é o serviço que prestamos aos nossos clientes, tal como ficou amplamente provado durante esta crise pandémica”.

“A razão de ser do turismo são as pessoas”
Reconhecendo que todos os dias temos que nos ajustar a uma nova realidade, Raul Martins, presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal e presidente do conselho de administração do Grupo Altis, dizia-nos em abril que “pensar o amanhã é acompanhar o dia-a-dia, mobilizar, motivar os trabalhadores, as suas famílias e as equipas, manter as estruturas que temos hoje”. E mostrava-se perentório quando afirmava: “Não nos podemos esquecer que a razão de ser do Turismo são as pessoas”.
O Conselheiro Ambitur é apologista de que, para voltar a ter turistas há que transmitir confiança ao consumidor e que os vários destinos deveriam apostar numa maior promoção junto da imprensa internacional, trazendo jornalistas “para que percebam o quão seguro é o nosso destino e assim promover as potencialidades de Portugal lá fora”.
Mas dada a imprevisibilidade que vivemos, Raul Martins admite que os gestores turísticos se deparam atualmente com vários desafios e que estes passam por reduzir custos para “garantir a viabilidade de um negócio que está a passar por sérias dificuldades”, captar reservas de novos mercados e gerir a tesouraria que, lembra, “regista quebras bastante elevadas”.

Também Francisco Teixeira, CEO da Melair Cruzeiros, acredita que os maiores desafios neste momento se relacionam com a questão financeira das empresas e a com a incerteza sobre uma segunda vaga durante o período de inverno. O responsável alerta que “a elaboração e preparação das operações turísticas para 2021, e em muitos casos a pré-venda antecipada, serão nestes últimos meses do ano um ato muito incerto, e que exigirá alguma cautela, mas também uma análise cuidada e corajosa de projeção do potencial para 2021, de forma a conseguir-se alguma recuperação dos níveis de faturação”.
O Conselheiro Ambitur defendia, em junho, que esta seria uma oportunidade para “tentar mudar o atual modelo sustentado no volume para um modelo comercialmente sustentável e com base numa consultadoria de valor reconhecido pelo consumidor”. O gestor acredita que “o próprio consumidor ganharia com isso e que seria possível repor, ou mesmo aumentar, o volume de negócios das agências de viagens com maior controlo de custos”.
Já Luís Alves de Sousa, sócio gerente do Hotel Britania (Hotéis Heritage), sempre defendeu, em declarações

à Ambitur, que este era o momento certo para ” apostar em tudo aquilo em que somos melhores e diferentes” e que o foco deve ser sempre o cliente. Mas, além do capital humano, o gestor apontava, em abril, a importância da valorização da oferta incluindo o Ambiente, o Património e a Cultura. ” A falta de respeito por estes valores, quer por parte da população residente, quer por quem nos visita, é um fator destrutivo que desvaloriza os destinos e afasta os turistas que verdadeiramente pretendemos captar”, sublinhava.
Mas não faltam desafios nesta “nova realidade” e o Conselheiro Ambitur acredita que começam, desde logo, pela necessidade de “motivar e transmitir serenidade aos nossos colaboradores, para que estes adquiram confiança e continuem a prestar um serviço de qualidade aos poucos clientes que agora nos procuram, fazendo-os sentir seguros mas oferecendo um ambiente calmo e agradável que os motive a repetir a viagem e a promover com total confiança, junto de familiares e amigos, as nossas unidades e o nosso destino”.
Apesar de admitir que questões como a segurança e a higiene sejam hoje centrais, Luís Alves de Sousa indica que “não podem ser esquecidas as características que sempre distinguiram o serviço que prestamos, onde a eficiência se alia à disponibilidade e à amabilidade, características essenciais como fatores de preferência e diferenciação”.
E é nesta medida que o gestor apela a que todo o setor do turismo se una, ganhe força e “avance com soluções que permitam ultrapassar esta fase tão dramática”. “Portugal está em boa posição, preparemo-nos para surpreender pela positiva os «novos» turistas”, observava o empresário, há alguns meses.