Gerir boutique hotéis é a missão da Unlock Boutique Hotels que, desde a sua criação, há seis anos, tem vindo a aumentar a sua oferta estando hoje em nove destinos com 16 unidades. Miguel Velez, CEO do Grupo Unlock, é o entrevistado desta edição (Ambitur 339) e garante que o espírito de inovação veio para ficar, no sentido de trazer novas experiências para o mercado. Este ano, a juntar-se ao desafio de captação de recursos humanos, o gestor aponta o problema do abastecimento logístico como outra grande dificuldade, isto sem esquecer que a Covid-19 ainda não desapareceu, com toda a imprevisibilidade que poderá acarretar. Leia agora a 2ª parte desta Grande Entrevista.
E ao nível do preço médio?
A questão do preço médio coloca-se, no nosso caso, no preço justo. Porque se o preço começa a subir, mesmo tendo clientes, este pode sentir-se defraudado face à experiência que tem, por isso não faz muito sentido abordar a questão de um aumento do preço médio. Diria que estamos ao nível do preço médio de 2019, o que neste momento pode começar a ser um problema devido à inflação. Mas o grande objetivo tem sido aproximar os preços relativamente a 2019. A preocupação não é maximizar o preço no sentido da receita, mas sim proporcionar um preço justo por aquilo que é a experiência.
O que fizemos para obter algumas subidas de preço foi obras em hotéis. O Pure Monchique é um hotel 100% renovado, fizemos obras no Noble House, em Évora, na Albergaria do Calvário, no Sobreiras Alentejo Country Hotel, para além da renovação do produto da Lavand´eira. Fez-se um investimento nos hotéis, nestes dois anos, muito grande e significativo, abrindo novas áreas sociais, criando novos espaços, para que os hotéis no arranque que esperávamos pós-pandemia tivessem melhores resultados. Praticamente não tivemos lay-off na empresa a não ser operacionais. Nunca parámos de trabalhar, não fizemos despedimentos, lançámos muitas novidades e atividades novas, que trouxeram os bons números do ano passado, que nos permitem estar na linha da frente face ao que nos está a acontecer. Os hotéis nunca pararam, tivemos surpresas agradáveis, outras menos agradáveis, mas foi um período que nos permitiu fazer as remodelações de que estamos a falar, estarmos no mercado e nunca fecharmos as portas e mantermos as equipas.
Como trabalham o hóspede e a sua fidelização?
A Unlock tem seis anos e, neste tempo, conseguiu já criar um conjunto de hóspedes que frequentam os nossos hotéis e fazem os circuitos. Somos a cadeia hoteleira nacional que tem mais unidades recomendadas pela Condé Nast Johansens, cinco. Temos clientes que são muito fiéis a essa marca e que fazem circuitos nesses cinco hotéis. Outro fator que conseguimos fazer durante a pandemia é que todas as nossas unidades hoteleiras têm Certificação da Sustentabilidade da Biosphere, é o primeiro grupo em Portugal, que tenhamos conhecimento, que tem todos os hotéis com este desígnio. Esta é uma entidade reconhecida internacionalmente, que obriga a um conjunto de critérios. Hoje, muito dos clientes, principalmente internacionais, que têm uma preocupação pela sustentabilidade, acabam por nos escolher porque sabem que os nossos hotéis têm esse certificado. Acabamos por criar uma massa de clientes muito fiéis aquilo que são os nossos hotéis e à nossa filosofia. Quando abre um hotel novo, os clientes querem conhecê-lo e isso é um efeito muito interessante que observamos.
Como atuam ao nível da padronização do serviço nos hotéis?
É um trabalho difícil, se fosse através de regras escritas seria fácil, ou seja, quando dizemos que cada hotel tem de ser autêntico, tem de permitir uma experiência diferente, tem de trazer a cultura da região, os produtos da região, quer dizer que tudo tem de ser feito caso a caso – desde a oferta do produto que vai ao encontro daquilo que é cada uma das regiões e a preocupação de trazer para dentro do hotel aquilo que é autêntico da região, até as equipas que são diferentes, mais uma vez de cada região e de diferentes culturas. Não queremos uma equipa exatamente a fazer o mesmo check-in em cada um dos hotéis, queremos que seja autêntica naquilo que é a autenticidade de o receber.
É um trabalho difícil por isso porque, por um lado, temos que dar a autonomia para que as equipas possam ser autênticas e trazer a sua região para dentro e, ao mesmo tempo, temos de ter as regras quer permitam que dentro da hotelaria haja parâmetros, processos e procedimentos que, caso contrário, não permite uma boa gestão.
Que desafios se colocam ao nível das operações, este ano?
Os recursos humanos é um problema gravíssimo que não é deste ano, já decorre de há vários anos, foi agravado com a COVID por variadíssimos motivos e carece de uma solução nacional rapidamente. Cada hotel ou cada cadeia hoteleira não consegue resolver este problema individualmente. Este problema carece de uma estratégia nacional de captação de mão-de-obra, seja ela interna ou externa, para que se possa suprimir as necessidades do setor. Não é só necessário que essas pessoas existam, o problema abrange a sua formação, o gosto e apetência para trabalhar em hotelaria e para servir. Precisamos de pessoas que gostem de servir e que gostem de ser servidos. Todos nós servimos e gostamos de ser servidos, às vezes estamos de um lado, outras estamos do outro.
Muitas coisas que estamos a ver são complicadas sem serem entendidas quando estamos do lado de quem precisa de mão-de-obra e que precisa das pessoas, porque não são só as empresas que estão as ser ameaçadas, é um negócio inteiro que está a ser ameaçado.
A segunda dificuldade que temos tido é ao nível do abastecimento logístico. Cada vez que temos uma avaria, nas máquinas, por norma não há peças de substituição. Assim como se está a complicar também ao nível de bens essenciais em que começa a haver falhas. A verdade é que um cliente quando chega a um hotel está à espera de ao pequeno-almoço, almoço ou jantar encontrar determinados produtos. A própria diversidade dos produtos está a ser ameaçada. Trabalhamos muito com PMEs portuguesas, que têm conseguido ultrapassar alguns desafios da falta de abastecimento e do aumento de preço via a questão da inflação, mas é preciso assegurar as linhas de abastecimento e a cadeia toda, caso contrário os hotéis não vão conseguir prestar o serviço ao cliente.
O terceiro desafio é que a indefinição da COVID não desapareceu. Todos aprendemos a lidar naturalmente com a doença, já fazemos a nossa vida de uma forma normal, mantendo alguns cuidados. Mas se, em algum momento, houver uma alteração substancial, vamos ter um problema muito grave, para todos, pois todos nos preparámos para o início de uma época alta. Não podemos ter mais tempo com altas restrições, falo de nós como setor em geral. Para além dos investimentos feitos na preparação do arranque da temporada e do setor. Agora o setor não pode falhar, até porque os apoios de uma forma transversal foram muito poucos para o turismo e, neste momento, inexistentes. A única fórmula que existe é através de financiamento e a mim me parece que empresas altamente endividadas, quanto mais se endividarem, estão a atrasar ou a agravar um problema que surgirá à frente. É muito importante efetivamente que a economia funcione e que haja clientes nos hotéis.
Estes são três problemas gravíssimos que estão em cima da mesa para a época alta que se avizinha.
A inflação vai ser um problema que incidirá sobre os hóspedes. Porque já está a retirar poder de compra e as pessoas vão ter menos dinheiro disponível para viajar.
Em que ponto está o projeto Unlock?
Temo-nos mantido muito fieis aquilo que é o nosso core business. Não temos razões para alterar essa linha. Estamos focados em hotéis boutique e na relação com os investidores, sejam eles empresas ou famílias. Continuamos com muitos projetos em análise. Estamos a analisar projetos nas ilhas, em segundos e terceiros destinos em Portugal, nesse sentido temos tido muita procura. Vamos continuar com o espírito irreverente e inovador que temos tido, sendo muitas vezes o motor do setor dos hotéis boutique em Portugal, no sentido de trazer novas experiências para o mercado.
Fizemos agora uma aposta grande no reforço da equipa de gestão com duas pessoas seniores para preparar aquilo que, por um lado, é uma fase de maturidade em que Unlock já se encontra, com espírito de startup e em scale up, onde fomos destacados o ano passado como PME líder pela primeira vez na nossa história, que é algo que nos orgulha. Nesse sentido precisamos de reforçar a maturidade, ponto número um. Ponto número dois, precisamos de preparar aquilo que é a continuação do crescimento da empresa para o futuro, porque mais hotéis estão planeados juntarem-se.
Como analisa o parque hoteleiro em Portugal e que desafios é que se colocam?
Como tudo na vida há um limite, mas não há um limite ao nível do número de experiências que se podem proporcionar, algo que as pessoas cada vez são mais ávidas. Portugal tem todos as condicionantes, naturais e de povo, para ser um motor internacional daquilo que é trazer para dentro de Portugal novos conceitos e para isso trazendo novos turistas. Atenção que Portugal ainda não está nos primeiros lugares do ranking mundial, pode crescer muito, tem muita oportunidade para crescer, a única limitação é territorial, dentro do que são as nossas fronteiras. Através das experiências estamos presentes em primeiras cidades, em segundas e terceiras cidades. Aquilo que é importante é sermos capazes de criar experiências em segundos e terceiros destinos e captar novos e mais hóspedes internacionais.
É importante que Portugal tenha essa capacidade de inovar e trazer experiências, e não vejo nenhuma limitação nesse caso. Outra coisa é dentro de alguns destinos continuar a abrir hotéis ilimitadamente, para mais quando são hotéis que pouco se diferenciam dos outros. Aí efetivamente parece-me que, pela lei da oferta e da procura, há uma ameaça à própria procura e à rentabilidade dos projetos, nomeadamente por aquilo que é o preço que depois pode ser aplicado. Parece-me também inevitável que a nível global setorial seja esta Unlock, seja outras do mundo, que os hotéis têm que se juntar. Sabemos que em todos os outros setores a dispersão, e de pequenas empresas, não é algo bom para a economia, nem para os próprios negócios, que não conseguem ser competitivos no mercado internacional e criar as experiências adicionais onde é preciso ter massa crítica e conseguir atingir o cliente. Um hotel independente tem imensas dificuldades e é por isso que a Unlock foi criada. A génese da Unlock foi basicamente pegar naquilo que é uma dispersão de recursos, juntá-los, unir esforços e refletir numa coisa grande para todos. Essa vai ser uma necessidade, estamos a assistir a isso já ao nível internacional, sendo que as grandes cadeias já o fazem há alguns anos. Mesmo as pequenas cadeias ao nível internacional já o começam a fazer. Vai ser inevitável essa exposição. Individualmente resta saber até que ponto os grupos conseguem ser capazes de trazer essa dimensão adicional.
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Entrevista (I): “Vamos continuar com o espírito irreverente e inovador que temos tido”