Trabalhar na hotelaria hoje é muito diferente de há 20 anos atrás, exigindo maior especialização, responsabilização e multidisciplinariedade. Os hotéis portugueses têm feito o seu caminho com vista a integrar-se no conceito de gestão hoteleira moderna e, sem dúvida que o facto de terem superado a inesperada crise de Covid-19, é um bom reflexo do quanto conseguiram adaptar-se a novas realidades. Mas estarão os hotéis e os gestores hoteleiros mais perto da eficiência que se deseja? É o que perguntámos a três consultores. Leia aqui a 1ª parte deste trabalho.
E começámos por querer perceber o que é, para estes especialistas, uma gestão hoteleira moderna. E Teresa Moreira, manager da Neoturis, explica que esta se caracteriza pela adoção de práticas mais sustentáveis, com respeito pelo território, pelas populações locais, pela cultura e preservação do planeta, mas também pela permanente busca por inovação e oportunidades que mantenham o produto relevante, e ainda pela capacidade de adaptação às mudanças do mercado através da flexibilidade organizacional. Um conceito abrangente e complexo que abarca vários elementos que devem funcionar como um todo.
A responsável aponta quatro áreas que não podem faltar. Em primeiro lugar, tecnologia avançada, ou seja, ferramentas de análise de dados e business intelligence que apoiem a tomada de decisões mais fundamentadas sobre preços, marketing e operações. E lembra que a automação substitui tarefas repetitivas e liberta as equipas para que possam dar mais atenção ao cliente. Além de que as plataformas de comunicação facilitam o alinhamento de equipas e de processos entre vários departamentos, aproximando ainda o cliente e o hotel. Uma segunda área essencial é o foco na experiência do hóspede, com um serviço cada vez mais personalizado e uma vivência mais holística na oferta de serviços que respondam às várias necessidades do mesmo. Por outro lado, uma gestão hoteleira moderna é aquela que valoriza as equipas, com foco nas competências de liderança, comunicação, self-learning e criatividade, aplicando uma gestão por conhecimento e não por hierarquia, respeitando o equilíbrio entre a vida pessoal/ profissional através de flexibilidade na gestão das equipas, nos horários, local de trabalho, formatos de contratação e pacote salarial/ benefícios. Finalmente, é fundamental a estratégia de marketing correta, que atualmente passa pelo uso de campanhas direcionadas (ofertas e promoções), usando dados do cliente para criar experiências mais personalizadas. Teresa Moreira recorda que a colaboração com plataformas como a Netflix ou a HBO no desenvolvimento de conteúdo que promove o hotel e a sua localização inspira, hoje, cerca de 70% da Geração Z e dos Millennials sobre o seu próximo destino de férias, tendo quase tanto impacto como as redes sociais (75%).
Já lá vai o tempo da organização tipo militar em que o diretor de hotel decidia tudo e as equipas executavam. Hoje, o gestor hoteleiro tem que ser capaz de criar, reter e motivar uma verdadeira equipa – no fundo, ser uma espécie de mini-CEO”
A verdade é que “a gestão em hotelaria mudou radicalmente nos últimos 20 anos”, diz-nos Filipe Santiago, senior partner da BlueShift, até porque o próprio setor se tornou mais complexo e incompatível com “a tradicional visão puramente operacional de «fazer camas e servir pequenos-almoços»”. O consultor aponta como primeiro grande driver desta mudança o surgimento da distribuição eletrónica, que fez com que passássemos de um modelo comercial assente na contratação de tarifas fixas para outro mais sofisticado de preços dinâmicos definidos em tempo real. Aliás, esclarece, a convivência de múltiplos modelos de negócio de distribuição fez com que a decisão de preço e inventário ficasse mais técnica e complexa, mais baseada em análise do que em intuição e experiência. Ora esta maior dinâmica e complexidade atingem todo o modelo organizacional e de governance de uma empresa hoteleira. E assim, as funções são cada vez mais especializadas, obrigando a uma gestão multidisciplinar, baseada numa maior delegação de responsabilidades às equipas. “Já lá vai o tempo da organização tipo militar em que o diretor de hotel decidia tudo e as equipas executavam. Hoje, o gestor hoteleiro tem que ser capaz de criar, reter e motivar uma verdadeira equipa – no fundo, ser uma espécie de mini-CEO”, sublinha Filipe Santiago.
Com a escassez de talento que já se sente, e a emergência de uma Geração Z que não está disponível para modelos ultrapassados, diria que não temos muito tempo para começarmos a fazer mudanças profundas”
Mudanças que levam, por exemplo, a que hoje seja “muito mais difícil construir uma equipa de gestão do que contratar empregados”, aponta o responsável. E lembra que, para atrair essa equipa, retê-la e fazê-la crescer, “é necessário repensar perfis, planos de carreira, políticas de remuneração fixa e variável, e modelos de gestão”. O consultor da BlueShift é da opinião que, é na área da gestão de talento que as organizações hoteleiras portuguesas mais percurso têm pela frente e deixa o alerta: “Com a escassez de talento que já se sente, e a emergência de uma Geração Z que não está disponível para modelos ultrapassados, diria que não temos muito tempo para começarmos a fazer mudanças profundas”.
Por sua vez, Karina Simões, Head of Hotel Advisory da JLL, começa por dizer que duas das principais preocupações da hotelaria são aumentar o número de reservas e manter os hóspedes satisfeitos com a sua experiência. Ora, na sua opinião, com as atuais ferramentas, isso hoje é cada vez mais fácil, embora exija algum investimento que “é rapidamente compensado”. A consultora aponta dois fatores centrais a uma gestão hoteleira moderna: a adoção de práticas sustentáveis e de soluções tecnológicas.
Reportando à questão da sustentabilidade, a responsável afirma que estão a ser dados os primeiros passos na hotelaria nacional e, apesar de ainda ser pouco expressivo o número de unidades hoteleiras com certificações ambientais, reconhece que há um número “interessante” em processo de certificação, mostrando assim um ponto de viragem. Mas recorda que é algo urgente, até pelo aumento do número de turistas com preocupações ambientais que, no processo de seleção de destinos, meios de transporte e alojamento para as suas férias, querem saber de antemão quais as opções com preocupações a este nível.
Karina Simões alerta que as soluções tecnológicas vão muito além daquelas que são mais orientadas para o hóspede, defendendo a adoção de soluções ao nível da gestão de informação, gestão de reservas ou do conhecimento mais pormenorizado dos hábitos dos hóspedes
Já no que se refere à adoção de soluções tecnológicas, este processo acelerou durante a pandemia de Covid-19, tornando-se mesmo inevitável a implementação de algumas medidas como o check-in e check-out automáticos, pagamentos contactless, acesso a menus através de QR Code ou abertura de portas dos quartos através de aplicações móveis. Mas Karina Simões alerta que as soluções tecnológicas vão muito além daquelas que são mais orientadas para o hóspede, defendendo a adoção de soluções ao nível da gestão de informação, gestão de reservas ou do conhecimento mais pormenorizado dos hábitos dos hóspedes, entre outras.
Por Inês Gromicho. Publicado na edição 345 da Ambitur.