A Accenture acaba de divulgar o seu relatório “Negócios ou Lazer” que tenta perceber por que razão é particularmente prioritário para as empresas do setor turístico captar o viajante de lazer pós-pandémico.
As prioridades no turismo alteraram-se radicalmente, tanto para os consumidores de lazer como de negócios, diz a consultora, e isso teve consequências dramáticas nas companhias aéreas e na atividade do alojamento. Será que a indústria do turismo alguma vez voltará a ser igual ao que era?
No curto e médio prazo, tanto o mercado de turismo global como o consumidor de viagens serão muito diferentes. A capacidade aérea programada foi reduzida a metade um pouco por todo o mundo, embora esteja a recuperar com o evoluir da vacinação. As viagens de negócios estão praticamente paradas. E as necessidades e preferências dos viajantes de lazer alteraram-se significativamente, aponta a Accenture.
Há quem acredite que o verão de 2021 vá dar um forte impulso à recuperação. Mas as viagens de negócio – a base da indústria turística global – vão provavelmente recuperar muito mais lentamente. Para sobreviverem nos próximos anos as companhias de aviação e os hoteleiros devem adaptar-se rapidamente para captar as oportunidades neste novo cenário.
Os imperativos? Recentrar a estratégia em torno das viagens de lazer e, para muitos, nos viajantes de elevado valor. Reposicionar a marca e repensar as experiências, produtos e serviços, e os programas de fidelização para um mercado dominado pelo lazer. Captar novos negócios com meios de comunicação e conteúdos personalizados que inspirem os viajantes de lazer e sejam feitos à medida das suas necessidades. Garantir que a experiência do consumidor está à altura da promessa da marca, prolongando o foco para a etapa após a viagem. E permitir tudo isto com conhecimentos profundos do consumidor resultantes de dados recolhidos.
Um novo tipo de cliente de turismo
A pandemia mudou prioridades, valores e comportamentos dos viajantes – quer seja por necessidade ou por opção. E, sem surpresas, a ênfase está hoje em viajar da maneira mais segura e saudável que for possível. Mas os consumidores também estão muito mais conscientes do impacto ambiental e social das suas escolhas de viagem, numa tendência que já vinha antes da pandemia. A Accenture aponta aqui quatro grandes áreas de mudança:
1. Bem-estar pessoal integrado
A saúde e o bem-estar são hoje prioridades para os viajantes. As pessoas querem ter a certeza de que não estão a pôr a sua saúde em risco – ou a de amigos e família que possam estar a visitar. Mas há aqui também uma tendência mais ampla, com o mercado de “bem-estar integrado” a dever crescer 1,3 triliões de dólares até 2024. Os consumidores querem uma abordagem mais holística à sua saúde, quer seja o acesso a instalações de fitness num hotel ou o cuidado do seu bem-estar mental minimizando o stress durante uma viagem. Todos os negócios são hoje um negócio de bem-estar.
A Accenture recorda que 68& dos consumidores receiam pela sua saúde e 73% pela saúde de outros. 24% dos consumidores reservariam umas férias de bem-estar nos próximos dois anos.
2. A aposta no local
Ao longo do último ano, vimos de que forma a pandemia mudou a atenção das pessoas para as suas comunidades locais, algo que as empresas de retalho em especial conseguiram adaptar-se bem. Mas o impacto sobre o turismo pode ser ainda mais dramático, já que reformula todos os setores da indústria – dos rent-a-cars aos padrões de aviação ou mesmo o local que as pessoas escolhem para ficar de férias. As “staycations” e o turismo doméstico serão as prioridades para os viajantes de lazer no curto prazo.
68% dos viajantes dizem que não estão a planear voar internamente ou internacionalmente na sua próxima viagem.
3. Fazer bem
Os viajantes pós-Covid procuram experiências sustentáveis que misturam a sua própria necessidade de bem-estar com a do planeta. Contudo, muitos também dizem que não têm a informação de que precisam para viajar de uma maneira mais sustentável – procuram a ajuda das empresas de turismo para fazer as escolhas certas.
58% dos consumidores pensam mais na sustentabilidade desde que a pandemia começou. E 86% dos viajantes querem viajar mais sustentavelmente, mas apenas metade desse número consegue fazê-lo tão frequentemente.
4. Reinventar a conexão
A enorme aceleração da adoção do digital provocada pela pandemia alterou fundamentalmente a forma como as pessoas se conectam. A videochamada passou de uma aplicação empresarial de nicho para uma necessidade do consumidor global com os amigos e as famílias a perceberem que podem ligar-se virtualmente, estejam onde estiverem. Uma parte deste comportamento poderá ser permanente. Mas, diz a Accenture, não há substituto ao contacto direto. Por isso existe possivelmente uma procura enorme reprimida à espera de ser libertada assim que as pessoas puderem e quiserem voltar a viajar.
65% dos consumidores estão hoje conectados de uma maneira virtual aos amigos e família.
Um novo mercado de viagens
O que guardam os próximos 12 meses para as atividades da aviação e do alojamento? Muito depende da velocidade da vacinação. Está a fazer-se um progresso extraordinário em alguns países, mas noutros nem tanto. Mas a complexidade logística de produzir e gerir doses suficientes em todo o mundo significa que poderemos ter de esperar muitos mais meses antes de vermos o seu verdadeiro impacto.
Além disso, o mundo tem de lidar com a possibilidade de que mutações e variantes do vírus possam diminuir a eficácia das vacinas ou prolongar o processo de vacinação.
Sobretudo para as companhias aéreas a recuperação está altamente dependente de quando os países do G20 vão atingir uma “massa crítica” de vacinações. O melhor cenário? Os números de passageiros este ano poderão estar apenas 29% abaixo dos números de 2019. O pior? Se a vacinação travar ou for necessário novas doses, as companhias poderão assistir a uma quebra ainda maior face aos números historicamente baixos de 2020.
Porém, a pandemia não afetou apenas o tráfego de passageiros e a ocupação hoteleira, mas reestruturou toda a indústria. O perfil da procura mudou totalmente e, em alguns casos, de forma permanente, com as empresas a perceberem que grande parte da sua atividade pode ser feita à distância. A necessidade de viajar e pernoitar para um encontro cara-a-cara provavelmente será muito inferior, diz o relatório da consultora.
Por isso o mercado de viagens é hoje, efetivamente, um mercado de lazer, frisa a Accenture. E isso representa um mercado estruturalmente mais pequeno do que aquele com que as companhias de aviação e os hotéis estavam habituados a lidar. Todos os players da indústria estão agora a competir por uma fatia maior de um bolo menor.
E, diz a consultora, é uma fatia que, para muitas empresas turísticas, foi sempre um foco secundário. A maioria dos modelos de negócio de turismo estavam principalmente focados primeiro no cliente de negócios, o que significava que os clientes de lazer tinham muitas vezes de ficar com “as sobras” (a não ser que estivessem dispostos a comprar com maior antecedência ou a pagar um pouco mais).
Esta alteração estrutural muda a forma como essas empresas precisam de trabalhar para atrair, converter e reter os clientes. E também significa que precisam de pensar com criatividade sobre o que fazer em relaçãoaos seus ativos subutilizados. A capacidade aérea programada diminuiu 54% face aos níveis de 2019. A ocupação hoteleira caiu 25 pontos percentuais desde março de 2020. São muitos aviões e camas de hotel sem utilização que estão a “destruir” a rentabilidade das empresas turísticas.
Uma nova cartilha para as empresas turísticas
Como devem então as companhias aéreas e os hotéis reposicionar-se para o mercado pós-pandémico? Em primeiro lugar, ajustar o foco na criação e captação da procura para turismo de lazer. Isto altera a cartilha das empresas turísticas de seis maneiras:
1. Inspirar os clientes a viajar torna-se uma prioridade
No mundo pré-pandémico, as companhias aéreas e os hotéis podiam depender de um fluxo estável de viajantes corporativos sem terem de pensar muito na fase de descoberta da viagem do cliente. A ênfase recaía sobre otimizar e melhorar a fase da reserva. Mas quando se trata de lazer, as companhias aéreas e os hotéis têm de dedicar-se aos clientes muito antes.
O foco precisa de alargar-se de modo a incluir a inspiração de potenciais clientes e desencadear o desejo de viajarem. Isto significa ser ativo nas redes sociais e trabalhar mais de perto com canais de inspiração de viagem. Também tem uma vantagem adicional – gera a oportunidade de conduzir os clientes para canais de reserva diretos, contornando os sites de terceiros que reduzem os lucros.
2. Marketing global precisa de flexibilidade local
A necessidade de uma estratégia de marketing global não desapareceu – continua a ser essencial para dar consistência e proteger a marca. Mas para o turismo de lazer é necessário ser complementada pela flexibilidade local genuína. A forma como a marca aborda e interage com os viajantes de lazer parecerá muito diferente nos EUA, Reino Unido, Europa e China, por exemplo.
Não se trata de uma necessidade nova. Mas as empresas de turismo continuam a debater-se para encontrar o equilíbrio certo e construir as capacidades para implantar a estratégia à escala. E, como tal, há demasiadas empresas a não conseguir alcançar o nível certo de relevância local para captar a oportunidade de lazer em cada mercado.
3. Fidelização vai exigir um repensar fundamental
Os programas de fidelização tradicionais estavam focados nos viajantes de negócios frequentes e não funcionam para os clientes de lazer, diz a Accenture. E questiona: quantas pessoas estão dispostas ou podem gastar 100 mil dólares por ano com uma companhia aérea para viagens pessoais? Quantos turistas terão 25 estadias diferentes na mesma cadeia hoteleira ao longo de um ano?
A verdade é que os programas de fidelização têm de ser repensados. Precisam de centrar-se em torno de um viajante de lazer muito menos frequente. Mas também precisam de reconhecer os diferentes segmentos dentro do próprio turismo de lazer.
A boa notícia é que as empresas de turismo podem antecipar-se neste processo desde já. Combinando dados dos seus programas de fidelização centrados no corporate com fontes externas e depois usando análises avançadas, podem retirar ideias para as preferências de lazer dos clientes existentes, e usá-las para acelerar o crescimento em novos programas com foco no lazer.
4. Meios digitais personalizados e produção de conteúdos à escala são essenciais para captar novos negócios
Para atrair e converter novos consumidores de lazer, as empresas precisam de ser altamente relevantes para as suas necessidades. Isso significa ter capacidades de personalização e localização altamente sintonizadas que possam ser executadas à escala global.
A meta é uma conexão personalizada permanente com os viajantes de lazer individuais, sejam eles quem forem e onde estiverem, em todos os canais e ao longo de todo o funil de marketing. É um processo global complexo para as empresas globais que precisam de atrair clientes de muitos mercados diferentes, usando abordagens muito diferentes em muitas línguas diferentes.
Para o fazerem, as empresas turísticas vão precisar de meios eficientes ajustáveis e de modelos operacionais de conteúdos capazes de realizar campanhas em meios digitais “à medida” tanto nos canais tradicionais como nos novos. Também precisam de uma governança adequada e da capacidade de alavancar sinergias a partir das diferentes capacidades sob um mesmo chapéu – não apenas meios de comunicação e conteúdos mas também operações criativas, integração com dados, em canais digitais, etc.
5. Decisões baseadas em dados devem orientar toda a atividade
Os dados são fundamentais para desbloquear a oportunidade do lazer. Permitem que as empresas percebam as necessidades locais específicas de cada mercado, personalizem a proposta de valor, aumentem a eficiência e priorizem o foco dos investimentos.
Para ter o nível de personalização necessário no mercado de lazer, à escala, as empresas vão precisar de uma capacidade avançada de dados e análise, incluindo segmentação e focalização do cliente avançada. Isso não só vai ajudar as empresas a compreender melhor os clientes de lazer como também pode ser usado para aumentar a eficiência operacional e priorizar os gastos de marketing em diferentes mercados.
A tecnologia de “cloud” é uma parte essencial da gestão de dados à escala e de maximizar o seu valor como ativo estratégico, diz a Accenture. As plataformas “cloud” oferecem escala, agilidade, dados em tempo real e acesso às ferramentas mais avançadas de aprendizagem automática e análise do mercado.
Sustentam análises mais profundas, abordagens mais rápidas e uma colaboração otimizada – tanto dentro das empresas como com os parceiros. Quando os dados estão na “cloud”, uma organização tem a agilidade e flexibilidade necessárias para captar novas oportunidades e incentivar a uma reinvenção do negócio com base nos dados.
6. Cumprir a promessa de experiências integradas é essencial
Por mais fortes que sejam as análises de dados e a personalização do viajante, a maior parte da experiência do consumidor ainda se resume a cumprir o prometido. Se a experiência não estiver à altura da promessa, todo o esforço de reconfigurar o marketing, os dados e a fidelização não terão qualquer significado.
Mas se acertar, diz a Accenture, há uma enorme oportunidade de aumentar a fidelização e empatia com a marca. E quando isso estiver combinado com uma conceção inteligente do produto, também abrirá inúmeras opções de cross-selling e upselling. Entre elas podem incluir-se, por exemplo, pacotes premium que oferecem valor acrescentado aos clientes a um determinado preço – tais como check-in mais rápido, evitar as filas, ou outros benefícios.
Um novo capítulo para uma indústria em mutação
Não há dúvidas de que a indústria do turismo está a atravessar uma mudança sísmica. As receitas de modelos de negócio tradicionais construídos em torno das viagens corporativas desapareceram do dia para noite. Essas receitas não vão regressar de imediato. Aliás, poderão nunca recuperar a níveis pré-pandémicos, diz a Accenture. A indústria de turismo de lazer é a indústria de turismo de agora.
É por isso que, segundo a consultora, é essencial que as companhias aéreas e as empresas turísticas ajam já. O risco de adiar é elevado. Mas as oportunidades para aqueles que conseguem adaptar-se rapidamente são enormes. Este é o momento para recentrar o foco no lazer, não no corporativo, e descobrir um novo crescimento na indústria turística pós-pandémica.