As “Novas tendências do talento na hospitalidade” estiveram em debate no XIX Congresso da ADHP, que se realizou na semana passada, no Algarve. No painel, moderado por Mano Soler, diretor da Les Roches Global Hospitality Education, João Vieira, diretor de Recursos Humanos do Corinthia Hotel Lisbon, Madalena Carey, diretora da Happiness Business School e Rosário Pinto dos Santos, Hospitality Recruiter na Stamina Hospitality, puderam abordar algumas questões relacionadas com o talento no setor da hotelaria.
João Vieira começou por lembrar que a questão de falta de talento já não é nova e que já na década de 90 se falava na guerra de talento, com as empresas a “roubarem” talento umas às outras e procurarem retirar à concorrência os melhores profissionais. Por isso mesmo, acredita que esta questão não será resolvida nos próximos anos. Até porque, e os dados da pirâmide etária não mentem, cada vez haverá menos jovens a entrar no mercado de trabalho, e cada vez mais as pessoas irão trabalhar até mais tarde. “Nesta equação, é muito difícil para as empresas conseguirem encontrar os talentos necessários e certos para renovarem os seus quadros”, admite o diretor de Recursos Humanos do Corinthia Hotel Lisbon.
Deste modo, o responsável sugere que as empresas adotem uma estratégia concertada, e não tão individualizada. E aponta o exemplo das outras indústrias, que começam a captar talento muito antes deste chegar ao mercado de trabalho, nas universidades ou mesmo no ensino secundário. “Nós, enquanto hotelaria, julgo que temos ainda um trabalho a fazer neste aspeto, que é chegar junto destes jovens e dizer-lhes para virem trabalhar para a hotelaria porque é bom trabalhar na hotelaria”, indica o orador.
“O que estamos a fazer enquanto indústria para ir captar essas pessoas que ficarão sem emprego nas suas indústrias de origem?”
Continuando, João Vieira lembra que há ainda outra área que pode ser trabalhada no setor, dando o seu próprio exemplo pelo facto de ter vindo de outra indústria, “o que significa que a hotelaria pode ir buscar pessoas a outros setores”. A verdade, explica, é que nos próximos anos haverá setores de atividade que vão despedir milhares de pessoas: “O que estamos a fazer enquanto indústria para ir captar essas pessoas que ficarão sem emprego nas suas indústrias de origem?”, questiona. O hoteleiro recorda que muitas profissões serão substituídas no futuro, e muitas indústrias vão desaparecer tal como hoje existem, pelo que, defende, “compete-nos a nós, enquanto indústria da hotelaria, ir buscar essas pessoas”.
Outro aspeto abordado pelo orador diz respeito à transparência necessária nesta indústria, e que nem sempre é uma realidade, alerta. “Se prometemos uma coisa, e não entregamos, estamos a destruir a nossa indústria”, critica, apelando ao “walk the talk”. Por outras palavras, “se prometemos às nossas pessoas que estão na indústria da felicidade, as primeiras pessoas que temos de fazer felizes são as pessoas que trabalham connosco”. E João Vieira acredita que, sim, a hotelaria é a indústria da felicidade mas logo que chegou ao setor alertou para o desfasamento entre “aquilo que nós pedimos e aquilo que entregamos às pessoas que trabalham connosco”.
Por isso, o diretor de Recursos Humanos não acredita que haja dificuldade em atrair talento pois há jovens prontos a vir trabalhar para a hotelaria. O que é necessário, refere, “é concertar aquilo que temos para oferecer; que o nosso employer branding seja o correto para atrair esse talento”. E recuando ao painel “A importância dos Dados para Cenários Previsionais”, João Vieira esclarece que ao falarmos destes dados não podemos referir-nos apenas ao cliente mas também aos colaboradores, no sentido de utilizar esses dados para prever quais são os comportamentos dos mesmos.
“Como diretores de hotéis, temos de ser mais gestores”
A mesma opinião é partilhada por Rosário Pinto dos Santos. A Hospitality Recruiter questiona: “Se somos tão bons a proporcionar a felicidade aos nossos clientes, porque estamos com tantas dificuldades em arranjar pessoas para trabalhar connosco?”. Por isso a sua sugestão é “descomplicar”.
A oradora admite que “a operação come-nos vivos”, sendo ela que “nos alimenta”, e defende que “por via da operação, nós temos de ser um bocadinho mais gestores”. E explica: “Se for mais gestor, vou ser mais estratega e vou-me colocar de fora, a olhar para a minha equipa, a minha realidade, para tentar perceber o que posso fazer melhor para as minhas pessoas de dentro”. Por isso não tem dúvidas de que “como diretores de hotéis temos de ser mais gestores”, no sentido de “alinharmos a nossa equipa de executivos e fazer com que eles promovam a cultura, façam o walk the talk pela pirâmide abaixo”. E apela a que se faça “um detox da operação”, para “nos focarmos no bem-estar de todas as nossas equipas, das nossas pessoas, ao mesmo tempo que se entrega o serviço lá fora”.
As oportunidades do setor
Uma questão levantada pelo moderador do painel e dirigida a todos os oradores prendeu-se com as oportunidades que se deparam ao setor. E João Vieira, do Corinthia Hotel Lisbon, não duvida que elas existam, já que o setor vai continuar a crescer. Aponta a digitalização dos processos como uma ferramenta que “inexoravelmente vai ter que começar a entrar com mais força nas organizações, e isso vai poder libertar as pessoas de algumas funções que não criam valor aos nossos clientes”.
O diretor de Recursos Humanos aponta a Agenda do Trabalho Digno como um sinal muito positivo, uma transposição de uma diretiva comunitária que, segundo o responsável, “devia entrar em vigor já amanhã”. Esta Agenda, que entra em vigor a 1 de maio, traz consigo 70 alterações ao Código de Trabalho e João Vieira garante que “não devemos ter medo, devíamos abraçar estas mudanças e dizer que estes são os mínimos, mas a nossa indústria pode fazer mais”.
Já Madalena Carey, da Happiness Business School, acredita que a grande oportunidade do setor é “aprendermos com as novas gerações”, defendendo que o diálogo e o debate deve estar cada vez mais presente entre quem entra na profissão e quem já está presente, com a sua experiência. “É nesta fusão que temos todos a aprender”, indica.
Rosário Pinto dos Santos, da Stamina Hospitality, também concorda que não faltam oportunidades, isto apesar de as coisas não estarem fáceis ” e do nosso dia a dia ser difícil para compor as equipas”. Recorda também que desde sempre houve conflito geracional mas alerta que é necessário “estarmos disponíveis para ouvir” a nova geração, e não julgá-la. “Os jovens que agora são a força de trabalho que precisamos e estão a entrar no mercado, não vamos a lado nenhum sem eles”, diz. E por isso defende que é importante “perceber como eles veem alguns cenários e depois dar o exemplo, walk the talk”. Ou seja, resume, “uma cultura organizacional não é só aquilo que está no nosso site para atrair as pessoas, é aquilo que fazemos todos os dias para as reter”.
Por Inês Gromicho, no Congresso da ADHP, no Algarve.