Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels, foi o entrevistado da edição 332 da Ambitur. Em tempos desafiantes, o gestor fala-nos sobre a evolução desta marca de gestão de hotéis boutique que, apesar das contrariedades de uma pandemia que assola todo o setor do turismo, mantém a ambição de crescer em Portugal e de continuar a inovar.
Quando surgiu a Unlock Boutique Hotels e em que contexto?
A Unlock foi criada em 2016 e resulta de uma análise de mercado em que a grande maioria dos hotéis são independentes, têm em média 50 quartos e, sendo independentes, não podem ter uma estrutura de recursos humanos grande por uma questão de custos, tendo que se associar de alguma maneira. Essa forma de se associarem é através de uma rede de hotéis boutique, de qualidade superior, que permita que cada hotel ofereça uma experiência única. Desde que cada hotel tenha um propósito no sentido de uma experiência faz sentido juntar-se à Unlock. Estamos presentes de norte a sul de Portugal e portanto as experiências também são várias em cada destino, e mesmo dentro de cada destino podemos ter diferentes experiências, para públicos-alvo distintos. Evoluímos também, ao longo deste tempo de modo que, quer em Viana, quer em Évora ou Monchique, temos alojamentos locais, os Suites & Apartments, numa oferta dirigida às famílias mais numerosas ou grupos de amigos.
A Unlock surge para criar um conjunto de sinergias, nomeadamente na área das vendas, sejam elas online ou offline; na gestão de preços; nas compras, onde temos uma Central de Compras com preços que um hotel independente, de outra forma, não consegue oferecer; no Marketing Digital; ou a nível financeiro, de controlo da gestão e da parte contabilística. Somos muito sofisticados e adaptados a hotéis boutique. Além disso, surge a pensar também em casos de sucessão ou grupos económicos que entram no setor do turismo como complemento às suas atividades e querem entregar a gestão a uma empresa profissional, ou investidores nacionais ou internacionais. Temos ainda hotéis nos quais os proprietários estão a trabalhar, normalmente negócios de família, querem continuar a desenvolver essa atividade mas ela é tão absorvente que não conseguem ter nem tempo, nem disponibilidade financeira, e nós fazemos essa outra parte, uma gestão em Soft Brand, de apoio parcial a esses hotéis.
Para estar na Unlock os hotéis têm que ter, por norma, no mínimo 20 quartos até aos 120 quartos. Há exceções, como o Palacete Chafariz d’el Rey, mas já tínhamos um hotel em Lisboa, era um superproduto que combina com o tipo de cliente que tínhamos noutros hotéis.
Criámos uma rede de hotéis nacional que proporciona um conjunto de serviços que pode ir desde a gestão completa a este modelo de Soft Brand, e hoje estamos com 12 unidades, entre hotéis e alojamentos locais.
A evolução e recetividade do mercado tem sido a expectável?
Tem sido muito grande e rápida. Resumiria estes quatro anos dizendo que criámos um negócio de raiz que não existia, um segmento que não existia. Somos uma entidade gestora de hotéis mas, mais do que tudo, de hotéis boutique debaixo de uma mesma Soft Brand, de uma experiência de hotéis. Os hotéis que nos procuram e que nós procuramos são unidades que complementam a nossa oferta. Isto é garantir aos nossos clientes que encontram um tipo de oferta única, com o mesmo fio condutor.
Arrancámos com dois hotéis e tivemos um crescimento enorme. Abrimos em maio e, em dezembro, já tínhamos três hotéis. No ano seguinte não tínhamos previsto mas começámos a adquirir hotéis. Adquirimos o primeiro em Évora, o The Noble House, que surge de uma oportunidade que envolveu uma remodelação profunda, pois tratava-se de uma pensão de uma estrela que se transformou num hotel de quatro estrelas, no centro histórico de Évora. Abriu em junho do ano seguinte. Depois disso junta-se a quarta unidade e, no ano posterior, compramos um alojamento local em Évora, que estamos agora a abrir, o The Noble House Suites & Apartaments. Com outra sócia, os acionistas da Unlock entram no capital da Villa Termal das Caldas de Monchique, onde iniciamos um processo de recuperação que ainda decorre.
Abrimos o capital da empresa no final do ano passado, num processo que demorou cerca de um ano e meio, e no qual tivemos várias entidades nacionais e internacionais a mostrarem interesse e disponibilidade. Fechámos no final do ano passado com um grupo sul-africano, Newmark Hotels, com 30 hotéis. Entrámos neste ano com esta velocidade. Em janeiro e fevereiro tivemos meses recorde até chegar a Covid.
Sempre fomos muito procurados por muitos hotéis mas temos critérios exigentes, ao nível da experiência, da estrutura acionista, do valor acrescentado que conseguimos trazer. Mas quando chegou a Covid-19, estivemos sempre abertos em Lisboa, Évora e Algarve. Hoje temos todos os hotéis abertos e estamos a lutar para que continue assim. Temos tido uma procura semanal de hotéis para se juntarem à Unlock e estamos num processo de análise.
Em quatro anos passámos por tudo. Do zero da abertura e de montar tudo, à fase de aquisição e remodelação de unidades, depois a abertura do capital e agora esta crise instalada. Penso que já conhecemos as fases todas possíveis da vida de uma empresa em apenas quatro anos.
Qual o maior desafio que enfrentaram até à Covid-19?
Tivemos muitos. O primeiro de todos foi testar o conceito. Mal fomos para o mercado surgiram oportunidades de novos hotéis, numa altura complicada em que o turismo estava em alta. Depois, montar uma estrutura que não podia falhar. Quem nos entrega os hotéis para gestão não está à espera que falhemos. E ter uma equipa que, ao longo destes anos, tem que adaptar-se constantemente e reinventar-se, rejuvenescer, sempre num espírito muito de startup, mas muito orientado ao negócio e a trazer resultados e rentabilidade aos acionistas. Isso resulta de um bom serviço aos clientes.
A terceira parte é quando entramos na área da aquisição de unidades e renovação. Fizemos muitas aberturas e remodelações profundas ao longo destes quatro anos. O terceiro grande desafio foi entrar no negócio como donos de ativos. Depois temos ainda um quarto momento em que, fruto do negócio e do nosso modelo ter gerado muito interesse no mercado, acabámos por ser contactados por um conjunto de entidades que queriam encontrar uma entidade gestora. Começámos a conversar com vários operadores, a nível nacional e internacional, que queriam investir em Portugal e procuravam uma entidade de referência. O quinto momento é este que estamos a passar, se bem que considero que já estamos num sexto momento, a preparar o próximo.
Dentro do nosso negócio, temos a gestão dos hotéis, com as dificuldades que existem. Apesar de termos hotéis que bateram recordes de receita este ano. Em outubro temos hotéis com melhores números do que em 2019, e o ano passado tinha sido o melhor ano de sempre. E temos hotéis em situação muito difícil; Lisboa é um exemplo, está completamente parada. Monchique tem-se aguentado nos mínimos aceitáveis. Évora também tem estado a reagir de forma lutadora, mas animadora. Por um lado, nos hotéis estamos a viver a crise global, embora tenhamos diversidade de oferta, o que nos ajuda a conseguir ter melhor performance numas unidades do que outras. Mas do lado da entidade gestora a procura é semanal. Se os hotéis independentes sabiam antes que, de alguma maneira tinham que se juntar, agora têm-se virado para a Unlock.
Quem são hoje os acionistas da Unlock?
São três. Eu próprio, Adrian Bridge que é fundador, e uma empresa internacional do grupo Newmark. Somos todos em partes iguais. Atualmente, eu e o Adrian Bridge somos sócios dos hotéis de Évora e do Algarve, sendo que nestes últimos temos também como sócia as Águas de Monchique. Não quer dizer que seja sempre assim no futuro.
Lembra-se de quando se apercebeu do verdadeiro impacto da Covid-19 na hotelaria? E qual foi a sua primeira decisão?
Mal ouvimos as primeiras notícias percebi logo que não íamos atravessar bons momentos. No mar, quando vemos a tempestade a aproximar-se preparamos o barco. E foi isso que fizemos. Juntámo-nos e preparámos o barco. E recordo-me que uma primeira decisão que tomámos foi pagar a todos os fornecedores antecipadamente até maio. Foi o primeiro sinal que quisemos dar aos nossos parceiros, de que estávamos todos juntos. Talvez tenha sido o momento mais marcante de todos. Daí para a frente, quisemos sempre estar abertos pois achamos que os hotéis têm uma função social e económica muito importante. Claro que houve destinos em que correu melhor e outros pior. Em Viana do Castelo fomos praticamente o único hotel a permanecer aberto e passámos o mês de abril com uma ocupação muito superior à expectável, pois havia muita gente em trabalho. Claro que tivemos uma queda enorme. Mas tivemos um papel muito importante no destino. Outro momento marcante foi quando as equipas não queriam deixar de trabalhar. É um espírito de grupo que nestas alturas vale mais do que tudo o resto.
Como é que encara o atual momento da hotelaria?
O setor vinha de um crescimento muito grande e as coisas têm que se ajustar. É um período péssimo e dificílimo, mas isso vai permitir um ajustamento e que saiamos mais fortes. Estava hoje numa reunião com os meus sócios, a olhar para a próxima fase, e a ideia que sai é que estamos muito mais fortes hoje, em todas as áreas. Aproveitámos para nos reinventarmos em cada área, para nos ajustarmos. Vínhamos com um crescimento muito grande, muito rápido e em muito pouco tempo, portanto estando neste momento péssimo, temos que o aproveitar da melhor maneira, e conseguir ser mais eficazes. O momento é muito difícil, é global, mas estamos todos no mesmo barco, para o bom e para o mau. O setor não vai desaparecer. No caso dos hotéis, sendo um momento muito mau, permite fazer afinações e preparar o futuro, e é um momento em que tudo o que for conhecimento, experiência, expertise de gestão é crítica. Em alturas altas todos somos bons gestores e um exemplo de gestão. Quando as coisas complicam, aí é que se vê efetivamente. É bom que a economia trabalhe melhor. Temos que aproveitar este momento para melhoria, e não há-de ser tão longo quanto isso. E na primavera do próximo ano (2021) as coisas hão-de estar mais organizadas e nós havemos de estar todos mais fortes e mais bem preparados.
Mas considera que o mercado hoteleiro está bem preparado para esta realidade?
Acredito que o mercado hoteleiro vai ter que se preparar. Ninguém podia sonhar que isto podia acontecer. Preparados nenhum de nós poderia estar, verdadeiramente. Mas estamos todos a preparar-nos. Da mesma forma que vivi a crise de 2008, 2009 e 2010, nessa altura era diretor-geral dos hotéis da Sonae, esses ensinamentos também nos são hoje úteis. Preparados não estamos. Se vamos conseguir sair? Não temos alternativa.
Qual espera que seja a evolução da Unlock em termos de empresa e de serviços à hotelaria?
Esperamos que mais hotéis se juntem à Unlock no próximo ano. É para isso que estamos a trabalhar. Temos vários cenários e não temos pressa nenhuma. O importante é trazer valor e retorno para os acionistas, e que os clientes sintam o mesmo fio condutor em cada um. O cenário que estamos a trabalhar hoje é de crescimento, com várias opções em cima da mesa. A Newmark Hotels está a constituir um fundo para investir em Portugal na aquisição de ativos que serão geridos pela Unlock. Há um atraso que resulta do facto de as pessoas não poderem viajar. A África do Sul esteve até 1 de outubro com os voos internacionais fechados.
Vamos assistir certamente a uma grande reestruturação no domínio das propriedades e gestão dos hotéis nacionais. O primeiro trimestre do próximo ano poderá ver uma aceleração deste processo?
Os próximos meses vão ser muito difíceis. Estamos a dizer que num ano vamos ter duas épocas baixas, uma época inexistente (abril e maio) e depois dois meses razoáveis. Vamos talvez para a última fase, a mais dolorosa. É importante que não haja muitos “fundos abutre” que enviesam o mercado, e não podemos assistir ao que aconteceu em 2009/10, em que as práticas de concorrência foram completamente ultrapassadas. Mas vai ter que haver soluções. E a Unlock como entidade gestora espera poder ser um parceiro ativo nesse papel. O mais importante, em conjunto com os bancos, é permitir que os ativos consigam manter as suas estruturas acionistas. É um momento mau de tesouraria mas não quer dizer que seja um mau momento económico. Os negócios que economicamente eram viáveis não podem agora desaparecer. Os projetos que eram viáveis e deram provas, temos todos que unir esforços. E por isso disse que é bom que os “distressed funds” não tenham um papel como tiveram em 2009 pois efetivamente podem estar a destruir riqueza e a enviesar as leis da concorrência. As moratórias para os hotéis que são um capital muito intensivo têm importância. Aliviam tesouraria.
Por outro lado, preocupa-me o futuro dos operadores e das agências. Penso que todos nós temos, neste momento, saldos em atraso de operadores e de agências, que estão à espera de intervenções governamentais de outros países. Obviamente esse dinheiro faz falta aos hotéis. Os hotéis prestaram o serviço, venderam, em alguns casos muitos faturaram, pagaram o IVA e agora, de um momento para o outro, não recebem porque esses governos vão injetar, mas ainda não injetaram… Este é um momento difícil. E tem que haver uma participação ativa para minimizar este impacto.
Ou seja, o início do próximo ano vai (2021) ser um ano ao qual efetivamente todas as empresas de turismo vão chegar estafadas.
De que forma um gestor hoteleiro pode hoje acompanhar ou fazer aquilo que se designa por “melhores práticas” nacionais e internacionais?
O mundo anda muito depressa. E a Covid-19 não veio desacelerar em nada o mercado. Acompanhar a evolução não é fácil. Mas é essencial. Primeiro, juntar-se a empresas que fazem disso vida é um bom princípio. Segundo, os que fazem disto vida, olharem uns para os outros, porque não é preciso estar sempre a inventar, copiar não faz mal nenhum, desde que seja com direitos de autor. E copiar o que está bem feito só mostra inteligência. Depois há que ser muito ágil.
Nós estamos constantemente à procura de coisas novas. Durante o confinamento, reestruturámos o canal de compras completamente. Nunca estamos parados.
Como é que veio parar ao turismo e, concretamente, à Unlock?
Não sou hoteleiro mas já fiz de tudo. Tirei Gestão na Universidade Católica. Comecei a trabalhar no Grupo Sonae, do qual saí e entrei três vezes, sendo que da última vez como diretor-geral dos hotéis da Sonae, reportando ao Eng.º Belmiro de Azevedo, com quem trabalhei cerca de seis anos e que ainda hoje é uma referência para muita coisa. Fui diretor de Marketing na Sogrape e aí fui desafiado para ir para o Algarve criar uma marca hoteleira, e foi assim que fui parar ao turismo, na Vila Sol Resorts. Passados três anos regressei ao Porto e entrei na Sonae Turismo, como diretor geral no Porto Palácio. Aí fiz de tudo porque achei que era importante. Depois fui para o The Yeatman, que tinha aberto há pouco tempo, e foi onde conheci o Adrian, que hoje é meu sócio. Basicamente convidei o meu antigo chefe para ser meu sócio. O que é um bom sinal de como é importante estar-se bem nas empresas. É bom saber entrar e bom saber sair. Saí do Yeatman para as Pousadas de Portugal, na altura para fazermos uma nova estratégia para a rede do Grupo Pestana, do qual fui administrador. Quando saí das Pousadas é que me tornei sócio do Adrian. A vida dá muitas voltas e ser construtivos é algo bom.
Como seria o hotel dos seus sonhos?
Aquele que remunere os acionistas de acordo com as suas expectativas. Há que ter emoção, paixão, mas por mais bonito, bem localizado, fantástico que seja, se o hotel não tiver rentabilidade, é um mau hotel. Um hotel com boa rentabilidade consegue ter tudo o resto.