Uma das perguntas feitas ao longo do “Industries Going Digital – Tourism & Travel“, no seguimento da Portugal Digital Summit’20, organizada pela Associação da Economia Digital (ACEPI), foi se “o novo normal será digital?”. Numa conversa com vários players do setor, ficou claro que o turismo será sempre uma experiência offline mas que poderá ser antecipada ou prolongada online, numa alternativa ‘saudável’ para o futuro e para que o país saia na linha da frente desta crise.
Investir no digital porque “nos vai deixar mais bem preparados para a retoma”
Com a pandemia, o Grupo Pestana tomou a decisão de suspender aberturas de hotéis e rever alguns dos seus planos de investimento. Porém, se houve área em que “nunca deixámos de investir” foi no digital. Segundo Gonçalo Oliveira, CIO do Grupo, manteve-se esse investimento porque “achamos que nos vai deixar mais bem preparados para a retoma” e daí “venha o futuro”.
O Turismo será sempre um “setor físico” no sentido em que “as pessoas querem mesmo fazer a viagem e não apenas imaginá-la”, mas o certo é que as novas tecnologias permitiram “aliviar pontos de stress” e “alargar o mercado” pois “há um conjunto de pessoas que passaram a usar tecnologias de comércio eletrónico por causa das viagens”, atenta o responsável. Acresce que “o setor foi ao longo do tempo sabendo tirar partido” do digital, com ferramentas que permitem informar melhor (ex. reviews) e ajudou na “transparência de preço e de informação”.
Mas Gonçalo Oliveira garante que “há um ponto em que o cliente não quer a tecnologia” e prefere perguntar na receção ao concierge acerca de um restaurante ou sítio agradável para visitar. Nesses momentos, “tenho mais dificuldade em captar as preferências do cliente porque não fica registado em lado nenhum” e aí ter conhecimento das pesquisas feitas online é “valiosíssimo para saber que tipo de oferta devo orientar”. Para o Grupo Pestana, o maior desafio é assim “antecipar e prolongar a experiência sem perder o sorriso”.
“A tecnologia pode contribuir para alterar suavemente as experiências”
A Secret City Trails proporciona tours a pé, numa experiência self guide, por 50 cidades do mundo, inclusive Portugal. A cofundadora Wendy van Leeuwen espera e acredita que o ‘novo normal’ seja digital pois essa poderá ser uma “belíssima alternativa”: a combinação de ferramentas online para a experiência offline.
Para Wendy, o interessante ao pensar em toda a jornada do consumidor enquanto viajante é que “já podemos marcar os nossos voos e hotéis online há muito tempo” mas a experiências em si, ainda que também se possa marcar no digital, “é muito pessoal e offline” o que é “ótimo porque todos precisamos de conexões offline nas nossas vidas”. Na sua opinião, “a tecnologia pode definitivamente contribuir para alterar estas experiências suavemente”.
No caso da Secret City Trails, a empresa cria experiências na cidade através de uma aplicação móvel [guia em áudio e mapa no telefone] e organiza-as em pequenos grupos: “Tem-se mais interação com a cidade e foge-se das multidões”, sublinha. A empresa fá-lo há cerca de quatro anos mas “agora existe uma enorme procura”, até por descobrir as suas próprias cidades, porque “as pessoas querem ter essa experiência self guide mas receber a mesma quantidade de informação” acerca dos sítios visitados. Além disso, todos os tours são “pensados por locais” de cada cidade e o importante, ao longo da pandemia, é que “mesmo sem conhecer essas pessoas, os turistas se sintam ligados a elas” através do storytelling. Wendy acrescenta que, tanto antes como depois, esta será “sempre a mesma bonita descoberta”.
“O online é um extraordinário meio e nunca um fim”
Na mesma senda, o administrador da Brasileira e da Fábrica da Sardinha, Tiago Quaresma, afirma que “este é um setor cujo produto será sempre offline e isso é muito bom”. Para si, “o digital e o online são extraordinários meios e nunca um fim” pelo que “se partirmos deste princípio estaremos sempre bem alinhados” com o que as tecnologias podem trazer ao setor.
A Brasileira e a Fábrica da Sardinha “vendem experiências e valor acrescentado”, o que “não é fácil de digitalizar nem nós queremos” porque “no dia em que forem digitalizáveis nós temos o mundo inteiro a competir connosco”, explica. Contudo, “a tecnologia pode e deve entrar em vários momentos que aceleram esta experiência”, nomeadamente, para receber visitantes internacionais “com um grau de personalização tal que lhe permita exponenciar a experiência”. Segundo Tiago Quaresma, “é algo que nos devemos preocupar em fazer enquanto país e setor porque podemos ser os primeiros do mundo a estar num nível tal de atenção ao detalhe que fará toda a diferença”.
Um dos seus mandamentos é que “o turismo é a grande montra do país” ao receber, por ano, duas vezes e meia mais pessoas do que a sua população e, nesse aspeto, “o digital pode entrar com um poder tremendo” a valer centenas de milhões de euros para Portugal. Antes da pandemia, já as duas marcas apostavam no digital, o que lhes permitiu beneficiar das suas mais-valias durante a crise: por exemplo, a Fábrica da Sardinha conta com 22 lojas para o “mercado turístico” e perdeu grande parte da procura, no entanto, já estava presente no digital pelo que “enviámos latas de conserva para os quatro cantos do mundo”, partilha o administrador.
Ainda assim, Tiago Quaresma assegura que “o cara a cara é fundamental” e conta-nos que tentou o “diálogo com a grande distribuição” mas que não foi bem sucedido porque “são comprimentos de onda diferentes” e que, quando isso aconteceu, “a alternativa foi contarmos a nossa história” com o foco nas pessoas. Daí “partimos para uma estratégia de lojas físicas que continuarão a ser o nosso futuro”, esclarece. Na sua opinião, a Covid-19 vem “acelerar a importância da origem” para sabermos de onde vem o que comemos e a pessoa que nos atende até porque, num momento em que se fala tanto de confiança, “confiamos mais nela do que no comentário do TripAdvisor”.
O administrador analisa que “nenhum de nós cometeu um erro” e “estávamos num caminho de muita solidez”. O importante é então “segurar o setor inteiro para que assim que a tempestade passar ele estar cá e preservar o maior número de ativos desta oferta”. Se o fizermos, “saímos na frente”.
“A crise veio enaltecer a capacidade de transformação”
A representar a Google esteve Nuno Pimenta, responsável ‘Travel, Retail & Start Ups’ em Portugal, considerando que a crise veio “enaltecer a capacidade de transformação e de resposta rápida” das organizações pelo que, “quem se conseguir reinventar melhor e captar algumas das oportunidades que existem, vai conseguir passar melhor esta fase”. Apesar do turismo ter “estado muito virado para a tecnologia”, o responsável frisa que “ainda há muitas partes deste setor que estavam relativamente pouco digitalizadas e funcionavam muito offline”.
A experiência em turismo é “absolutamente fundamental” e ainda que as visitas virtuais tenham um “grande potencial de crescimento”, para o responsável “não vão substituir o desejo que as pessoas têm de continuar a visitar os locais”. Nuno Pimenta atenta que “o volume de pesquisas [por viagens] não caiu tanto como o negócio”, o que revela que “as pessoas continuam a querer ir mas não sabem para onde e como o fazer” e procuram outro tipo de produtos turísticos como as zonas rurais e pequenas cidades. Daí ter de ser feito um trabalho de comunicação muito grande que possa “permitir uma experiência segura às pessoas que querem continuar a viajar”.